As reformas e a Constituição

SÓ DEUS PODE IMPEDIR AS REFORMAS QUE O SEU GOVERNO QUER FAZER

É extremamente preocupante a afirmação do presidente Lula, referindo-se às resistências a sua proposta de Reforma da Previdência, de que nem Congresso Nacional, nem Judiciário, mas só Deus pode impedir as reformas que o seu governo quer fazer. E mais preocupante porque acompanhada de informação da Presidência da República de que o presidente não compareceria à posse dos novos ministros do Supremo Tribunal Federal, por ele próprio nomeados.

Se o Brasil é um Estado Democrático de Direito, como está dito em nossa Constituição Federal, tal declaração constitui uma violência inadmissível. Um desrespeito absoluto pelos poderes Legislativo e Judiciário, que o mais hábil diplomata não conseguirá explicar.

Qualquer reforma da Constituição há de respeitar os limites pela própria Constituição estabelecidos. O poder reformador, atribuído ao Congresso Nacional, não é absoluto. Está escrito na Constituição que não será objeto de deliberação, isto é, não será sequer recebida para a deliberação do Congresso Nacional, proposta de emenda tendente a abolir: I) a forma federativa de Estado; III) a separação dos Poderes; e IV) os direitos e garantias individuais. Vê-se, portanto que, a Constituição impõe limites ao poder reformador, que não podem ser ignorados pelo presidente da República, que em virtude da separação de Poderes não pode ser o juiz desses limites.

Realmente, cabe em primeiro lugar ao Congresso Nacional decidir se a proposta de emenda constitucional pode ser objeto de deliberação, vale dizer, se ela respeita os limites de imodificabilidade da Constituição. E depois, se o Congresso Nacional aprovar a emenda, cabe ainda ao Judiciário dizer se até que ponto ela está de acordo com a Constituição, invalidando-a se entender que ultrapassa os limites de sua imodificabilidade.

É certo que também não foram felizes os membros do Judiciário ao reivindicarem uma previdência própria. Tal pretensão se explicaria pelo fato de que as contribuições pagas pelos magistrados em atividade, hoje com idade média de apenas 35 anos, seriam suficientes para manter os benefícios legalmente previstos. Seja como for, o que nos parece é que o direito à seguridade não pode ser negado a nenhum servidor público. Não se pode admitir que o Estado deixe os que para ele trabalham a depender de instituições privadas de previdência.

A rigor, a previdência deve ser sempre estatal. Diferentemente das empresas, que não dispõem de meios para se preservarem de crises econômicas e desmandos administrativos, o Estado é perene, tem ilimitados meios para se recompor e subsistir, garantindo a efetividade dos benefícios previdenciários de longo prazo como aposentadorias e pensões, sem as frustrações que a quebra da instituição privada lhes ocasiona, como nos foi demonstrado por situações já vividas em nosso País e que, infelizmente, estão sendo esquecidas.

A privatização da previdência é inaceitável, pois ninguém conseguirá explicar como pode uma empresa garantir aposentadorias e pensões à custa de contribuições de seus segurados, se o Estado, como dizem, não as pode garantir com essas mesmas contribuições, sem intuito de lucro e dispondo de poder para compelir toda a sociedade a contribuir para tal fim. O mais difícil de se entender, todavia, é que o desprezo do Estado por seus servidores seja mais forte exatamente quando estão no governo pessoas que sempre defenderam o oposto do que está sendo feito.

Hugo de Brito Machado
Professor, presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários