Artigo de fundo

A enciclopédia Delta Larousse o define como "artigo de jornal sobre assunto importante". Por extensão, é a peça literária ou noticiosa mais demandada na imprensa, o alvo principal do leitor. Já tivemos mestres na matéria, como Rachel de Queiroz, David Nasser, Austregésilo de Athaide e Mário de Moraes na revista "O Cruzeiro". Aqui no Ceará uma crônica de Perboyre e Silva, Gomes de Matos, Jáder de Carvalho ou Hilário Gaspar aumentava a venda do jornal; dava ibope, como se diz atualmente. Sem falar nas sensacionais reportagens de Alencar Monteiro e Luiz Edgar de Andrade, este ainda remanescente. E, nesse tempo, o Brasil era dez ou mais vezes menor, todos os escritores molestando os dedos nas pesadas máquinas Remingtons da vida. Evidente, temos ainda geniais cronistas como Pompeu de Toledo e Lya Luft. Entretanto, face à população atual, é muito grande o déficit de "penas-de-ouro" no Brasil. É que mudaram os tempos. Outros são os enfoques prioritários, as coqueluches. Até a música não tem mais aquela beleza romântica de um Nássara, o descortino de um Noel Rosa nem o patriotismo de um Ari Barroso. Nos dias atuais só "forró mixado" e "calcinha preta". Tudo o mais é ridicularizado, demodê, literatice...

Tais considerações fazem recordar o Padre Gerardo Ferreira Gomes ministrando aula de literatura no Seminário de Sobral: "Meus alunos, quero uma composição que lembre Rui, Machado ou Coelho Neto, um autêntico artigo de fundo". Numa de suas aulas reportou-se ao ano de 1923, quando dirigia o "Correio da Semana". Visitado por luzida comitiva de políticos, à frente Assis Brasil, notou a presença de um jornalista "bem novinho" que fazia a cobertura do evento. Pediu-lhe um artigo para o jornal sobralense.

- Ele solicitou-me duas laudas de papel - revelou Pe. Gerardo - e começou a escrever na perna. Pensei que estivesse anotando os assuntos daquela reunião. Mas, findos os trinta minutos do encontro, o jornalista José Martins Rodrigues entregou-me duas páginas manuscritas com um primoroso artigo - um artigo de fundo, uma obra prima, meus alunos.

F. Silveira Souza
Advogado e escritor