Aos humanos ou antílopes

Devo agradecer a Alberto Bresciani pela chegada de seu recém-lançado livro de poemas - cordialmente enviado pelo correio, esse veículo teimoso, quase perempto - cujo título "Fundamentos de Ventilação e Apneia" sugere um guia de sobrevivência, ou apetrechos teóricos para uma boa respiração, ao examinar temas tão vastos quanto profundos, os quais só a poesia fundamentalmente sabe explorar, especialmente quando vestida por expressivos talentos poéticos.

Iniciando com a abertura do primeiro caderno, observo que ela constitui prática de imersão, ainda que verossímil e dotada de plausibilidade, ao remontar uma espécie de "arqueologia condenatória do homem" devida a sua falta de aperfeiçoamento e, muitas vezes, grandeza. Por sinal, a imagem ventilada que se amplia nos versos, é da inutilidade de jogarmos hoje "Pedras ao Mar" e verificar que ontem "todos os círculos/nos pertenciam". A questão poética é que o hoje e o ontem já são passados. Desapareceram nós e os peixes, as aves marinhas. Na dobra seguinte do verso, diz que "não tínhamos olhos/assim era melhor", e abre para a eternidade, ao detalhar que "somos aquelas pedras/para sempre".

Depois dessa abertura que poderia figura no final da coletânea, o desafio é viver nesse mundo asfixiante, com potencialidade de produzir cortes de comunicação entre o oxigênio e o pulmão. Avisa o poeta: "a custa de nomes marinhos/ sobrevivo/aprendi a respirar na água".

Noutras palavras, precisamos aprender a encarar as verdades, seja de forma reificada, ou comparando-as com animais, em um mundo em que falta espiritualidade e sobra materialismo, eis o sufoco quando "procuramos sempre a ilusão/no que é o inverso de tudo".

Afinal, o que procuramos? Primeiro "corremos, nós os bisões/ para onde não sabemos", ao perguntarmos "se este é mesmo/ o nosso lugar". A resposta está no vazio, nos nossos distanciamentos "fugindo de absolutamente nada/ e de quase tudo". Pior: "a impossibilidade ainda sustenta/nossos desertos", ao largo do que "sabemos que tudo se vai a brevidade", por que "tudo insiste e continua/as coisas são as mesmas/as palavras iguais". Simples assim: "todos os dias/ dentro dos dias".

Talvez o ponto alto desta reunião de poemas seja a reflexão sobre o mundo e seu criador. De um lado, o homem contraditório - munido de inteligência mas aplaudindo a barbárie - de outro um Deus eterno, além do bem e do mal, para suportar a sua criação com ela é, deixando lições de hienas acordadas, todos "só um modo de ser/Sina".

Quanto a essa fórmula - destino/modo de ser - penso que a exposição filosófica de Espinosa é constrangedora: pequenos peixes não têm outra razão de ser senão se deixar devorar, permitindo que os graúdos não morram de fome. Mas o recado de Bresciani é mais constrangedor ainda: "como antever qualquer bom epílogo/para humanos ou antílopes".


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