Ano de eleições e mesmice política?

Como não há duna sem grãos de areia, não há opções coletivas sem manifestações individuais. O voto pode ao mesmo tempo ser insignificante, mas também essencial na direção da política

Mesmo para os mais descrentes na política, o quadro estrutural e conjuntural brasileiro tem revelado sua importância nos rumos da vida prática para a sociedade e o indivíduo. As frases: "os políticos são todos iguais", "não importa meu voto, a corrupção e os rumos do país serão os mesmos" não são corretas. Por mais que a corrupção possa fazer parte da política, e o faz, em certo grau, em várias sociedades, desde tempos imemoriais, o perfil ideológico do político, sua vida pregressa e a forma como gere assuntos públicos e particulares são preponderantes nos rumos dados aos ventos da vida em sociedade, conduzindo a embarcação estatal para um lado ou para outro, com firmeza ou deixando-a à deriva.

É preciso, portanto, fazer escolhas públicas que se iniciam com o voto. Sim, cada um dispõe de apenas um voto, mas sem ele, na soma total dos esforços, não se chega ao montante necessário para a realização das escolhas públicas. Como não há duna sem grãos de areia, não há opções coletivas sem manifestações individuais. O voto pode ao mesmo tempo ser insignificante, mas também essencial na direção da política. Considerando que, somada a ele, vem a possibilidade do diálogo-cidadão com o contágio de ideias, o débil voto pode então se revelar fortalecido. Ao longo da última década do século XX, os brasileiros, e também os cidadãos de outros países de um modo geral, ao mesmo tempo em que parecem ter saído da apatia política, manifestando opiniões nas redes sociais sobre os mais diversos temas políticos, parecem igualmente se manter descrentes das eleições, o que se percebe com o elevado percentual de abstenções às votações, ou de votos brancos e nulos, ou mesmo diante da opinião de que os políticos são todos iguais.

Esse paradoxo talvez precise ser enfrentado. A percepção de que dificilmente podemos nos manter indiferentes diante de tantos temas objeto da política deve conduzir o cidadão a uma postura mais madura, não apenas na emissão de opiniões políticas nas redes sociais, mas também através da consideração de que a política importa, e que para realizar escolhas, ainda que mínimas, é preciso ter atenção para além da propaganda divulgada na época das eleições. No momento eleitoral, a propaganda eleitoral é informativa, mas também, principalmente, apelativa. Nessa circunstância, são sobretudo as emoções que importam, motivo pelo qual as notícias fraudulentas têm tanta propensão a serem espalhadas. É preciso, portanto, chegar lá já com alguma maturidade cívica. O momento de fortalecer a capacidade de escolha inicia-se desde agora, meses antes da votação.

É interessante, assim, incentivar o maior engajamento do cidadão para as questões políticas, já manifestado nas redes sociais, e ampliar o olhar e o senso crítico para detalhes que podem levar a um conhecimento melhor dos candidatos. Não basta se ater ao discurso que cada um profere momentaneamente. Importa considerar o partido que integra e a ideologia que ambos (partido e candidato) professam, a forma como se comportam politicamente dentro e fora da estrutura partidária, as propostas feitas ao longo dos anos, a conduta profissional, a habilidade de articulação na composição de interesses e de conflitos, a capacidade de liderança, entre outros aspectos pertinentes à governabilidade de uma sociedade. E emancipação e evolução da sociedade perpassam por essa emancipação cidadã. A política pode ter muitos defeitos, mas é somente através dela que somos capazes de compor interesses diversos. Ou temos a política, ou temos mera dominação e sujeição da vontade dos indivíduos. A travessia não é tranquila, mas vale a pena encetá-la a cada novo período de eleições.

O voto pode, ao mesmo tempo, ser insignificante, mas também essencial na direção da política. Somada a ele, há a possibilidade do diálogo-cidadão.

Raquel Machado
Professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará


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