Águas de janeiro

Quando a chuva cai, os cearenses somem e deixam as ruas desertas, mais habituados que estão com o sol e o céu azulado. A cor cinzenta das nuvens, os dias brancos e as noites molhadas criam em Fortaleza uma atmosfera estranha que a deixa acanhada. Logo ela que adora exibir corpos nas suas praias, aparece escondida em capas de chuva e ares reservados de pessoas que a cruzam em busca de alguma normalidade.

Causa sempre desabrigados e desmoronamentos nas áreas socialmente mais vulneráveis. As suas águas chegam com força e rapidez, viram enchente em vários trechos da cidade, sendo comum alguém dizer que a chuva é boa no interior, pois na Capital só traz inquietude. Mas, desta feita, a chuva se mostra providencial. Varre as ruas e oferece fartura de águas e peixes, brincadeiras infantis ligadas a banho e disposição melancólica nos seus habitantes.
A massa de água cai com pouca inclinação. Sabe que limpa almas e ruas antes belicosas, empoeiradas e nervosas, cuidando de dizer a seu modo aos homens e mulheres que tomam a cidade como lugar de negócios e turismo, que ela mesma nunca aceitou donos. Desse modo, não perde seu porte, porque a chuva motiva mais do que nunca a ida ao shopping e supermercado.

Em meio a enxurradas de mau augúrio, ela quis vir por si mesma. Por sobre fogos de ódio, está a jogar-se do céu antes do tempo previsto por cientistas e profetas. Tem relação com o movimento dos oceanos e chega em tão boa hora, quase feito acalanto para compensar dias e noites de aflição e vigília. Entre uma e outra ocorrência, a onda de calor que se abate sobre a cidade, atinge da mesma forma tanto mulheres na menopausa, quanto adolescentes em férias; ricos das melhores zonas e pobres de bairros maltratados.

Alguma notícia boa precisava vir. As chuvas que nos acalentam desafiam as profecias de secura das coisas. Com sua infinita bondade, as águas mais parecem torrentes de paixão e aposta teimosa em limpeza das almas e mentes insanas.


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