A inabitável terra

Primeiro o calor atmosférico, destruindo vidas em suas ondas; depois, a fome, com dezenas de milhões de migrantes a bater às portas de países ricos que não querem recebê-los; ao mesmo tempo as enchentes, com cidades costeiras a serem corroídas pela maré crescente; seguidos dos incêndios e deslizamentos e continua por aí. Pragas bíblicas em esteroides, as calamidades decorrentes do aquecimento global tornam quase ridícula a escala dos problemas do velho Egito do tempo dos profetas.

Nisso consiste a mensagem do livro de estreia do jornalista nova-iorquino David Wallace-Wells, “The uninhabitable Earth: life after warming” (A Terra inabitável: a vida após o aquecimento) publicado em fevereiro deste ano.

E o quadro, em geral, não é belo. Os desastres assim chamados naturais não podem mais ser assim considerados, haverá falta de água potável, o ar já está sujo e se tornará mais ainda, vagas de novas doenças desconhecidas e de velhas doenças reforçadas atormentarão os humanos, a economia sofrerá com uma produção cada vez menor e como cereja do bolo ainda teremos guerras por questões de clima.

Há, no entanto, o pior. Os efeitos, ou seja, marés altas, incêndios e ondas de migrantes a causar instabilidade política estarão entre nós em questão de décadas, talvez uma década, e alguns de seus efeitos já se fazem sentir. Isso muda a perspectiva de futuro de nossas próprias vidas.

Por falar em futuro, o autor não consegue explicar bem uma questão – a de por que, em meio a tanta miséria, ele mesmo teve uma filha recentemente. Titubeia, fala de luta, de estar fascinando pelos problemas que a filha vai ver, na parte talvez menos convincente da obra.

Pode-se criticar a falta de interesse na América Latina e no Brasil em particular, excetuando algumas menções à Amazônia. No geral é livro assustador, o que, da perspectiva do jornalista, talvez seja um elogio.


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