Sistema bancário: mais autonomia e menos custos a consumidores

Autorregulação do empréstimo consignado, limitação da taxa de juros do cheque especial e o desenvolvimento do pagamento instantâneo são medidas que vão beneficiar os clientes de instituições financeiras

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
Legenda: A autorregulação do empréstimo consignado visa formar uma base de dados para monitorar reclamações sobre oferta inadequada do produto, além de criar um sistema de bloqueio de ligações à disposição dos consumidores que não queiram receber chamadas de telemarketing com ofertas de crédito consignado

O relacionamento entre bancos e consumidores pode envolver uma relação de amor e ódio. Algumas medidas que passaram a vigorar neste início do ano e outras em andamento prometem iniciar uma nova fase nessa convivência - desta vez, mais amistosa.

Na última quinta-feira (2), passou a vigorar a autorregulação do empréstimo consignado desenvolvido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e Associação Brasileira de Bancos (ABBC).

A medida visa formar uma base de dados para monitorar reclamações sobre oferta inadequada do produto, estabelecer ações voltadas à transparência, ao combate ao assédio comercial e à qualificação de correspondentes, além de criar um sistema de bloqueio de ligações à disposição dos consumidores que não queiram receber chamadas de telemarketing com ofertas de crédito consignado, o chamado "Não Me Perturbe".

Outra mudança positiva para os consumidores é que, a partir de amanhã (6), o Banco Central (BC) também limita a 8% ao mês a taxa de juros do cheque especial. A limitação dos juros dessa modalidade de crédito, cujas taxas chegam a quadruplicar uma dívida em 12 meses, foi decidida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

O economista Alex Araújo ressalta que existe uma dedicação do BC em alterar a forma como se dá esse relacionamento com o cliente no sistema financeiro. "Esse esforço tem como propósito dar mais autonomia para o consumidor e reduzir os custos do sistema financeiro no Brasil. Eles estão em um movimento mais amplo, que inclui também o Cadastro Positivo e o Open Banking. Todas elas vão nessa direção", afirma Araújo.

Competição

O economista reforça que um dos diagnósticos do sistema financeiro brasileiro diz respeito à grande concentração do mercado em poucas empresas, o que acaba fazendo com que exista um baixo nível de competição e determinando que o cliente pague um preço muito alto pelo serviço.

"O exemplo disso é o spread bancário (diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e o quanto esse banco cobra para emprestar o mesmo dinheiro) que é muito mais elevado que a taxa básica de juros. Mesmo agora, com esse movimento de redução, a maioria dos clientes pessoa física não percebe o efeito da redução dos juros".

Umas das medidas para melhorar a competição, segundo Araújo, é a liberação da concessão de crédito através das fintechs. "A nossa tradição de fintechs no Brasil é muito mais associada a prestação de informação ao cliente, estratégia de investimentos, mas agora começa a abrir a regulação para crédito".

Autorregulação

Sobre a autorregulação do consignado, Araújo afirma que esta forma de gestão é uma tendência das instituições financeiras globais. "Como o regulador não consegue prever todas as hipóteses, ele cria essa possibilidade para que o próprio sistema se organize e utilize a autorregu-lação", explica.

No sistema bancário, a autorregulação dos bancos tem avançado, mas ainda tem muito espaço. É um espaço que a própria Febraban avalia se pode avançar", acrescenta.

Apesar dos excessos facilmente observados na oferta do consignado, o planejador financeiro da área de investimentos do C6 Bank, Daniel Varajão, aponta que não se deve julgar o produto como ruim por causa de uma oferta excessiva.

"O consignado é sim um produto que costuma ter menores taxas pro mercado comparado a outras linhas do mercado mais facilmente acessíveis. Por outro lado, é uma linha que tem uma portabilidade mais fácil que outras. Então, ele se tornou um produto que tem uma oferta mais agressiva no mercado", pontua Varajão. "Essa oferta, que muitas vezes não é bem vista pelo consumidor, vai ser menos incisiva com a prática da autorregulação".

Mesmo diante dessa autonomia, Alex Araújo revela que tem visto na gestão atual do BC alguns temas com uma intervenção mais alta, como o teto dos juros para o cheque especial.

"E parece que pretende repetir a medida em outros segmentos. A gente vê ele (BC) muito mais ativo, inclusive gerando reclamações da Febraban, porque acha que o sistema deveria ser mais livre. Mas tem sido importante nessa estratégia de reduzir o custo para o tomador final, por conta da concentração. Apesar de ser muito mais intervencionista do que se poderia esperar, talvez seja necessário pela estrutura do sistema bancário que temos", avalia.

O planejador financeiro da área de investimentos do C6 Bank lembra que os juros do cheque especial, com média de 8,69% ao mês, segundo o último relatório divulgado pelo próprio BC, praticamente se mantiveram sem alteração nos últimos três anos, mesmo período em que a taxa básica de juros, a Selic, caiu de 14% para os atuais 4,5%.

"Essa medida do Banco Central é importante para que as instituições comecem a se mexer em relação aos juros dessas linhas de crédito. Essa redução já poderia ter sido repassada ao consumidor final, mesmo que parcialmente, por conta do corte da Selic. E agora, se a média está acima de 8%, vai ter que cair, já que o teto é de 8%", ressalta Varajão.

Modificações

Alex Araújo antecipa ainda algumas mudanças que estão em andamento como o pagamento instantâneo, sistema de transferência imediata que funcionará sete dias por semana, 24 horas por dia. "A maioria das instituições deve oferecer esses serviços de graça, diferentemente de hoje, em que é cobrado por TED e DOC".

Além da instantaneidade, o chamado Open Banking permitirá que os dados bancários dos consumidores deixem de pertencer ao banco e passem a ser do próprio consumidor, que poderá, inclusive, levá-los para outras instituições, de forma a mostrar o potencial de negócios e facilitar a análise de risco.

"O Open Banking vai inverter o sentido de autonomia do cliente. Essa é uma reforma mais estrutural, exige mudança brutal no gerenciamento dos dados, demora um pouco mais para entrar em operação, mas, junto com essas mudanças mais pontuais, mostram a direção que a gente está indo: para um sistema financeiro mais atualizado e mais competitivo".

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