'Propostas de reforma tributária em discussão não resolverão problema', diz especialista

Uma reformulação do sistema tributário brasileiro requer taxar menos o consumo. E mais a renda e patrimônio, segundo avaliação do tributarista Schubert Machado. Para ele, a Unificação dos impostos não muda nada e pode até piorar o cenário

Escrito por Carolina Mesquita / Samuel Quintela , negocios@verdesmares.Com.Br
Legenda: Schubert Machado é advogado tributarista com atuação na área há 34 anos
Foto: Foto: Thiago Gadelha

O consenso a respeito da necessidade de uma ampla reforma do sistema tributário brasileiro não tem deixado menos polêmicas as discussões sobre qual modelo é mais adequado ao País. Um dos últimos capítulos dessa novela da reforma tributária envolveu até a queda de um dos membros da equipe econômica na semana passada, o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, para dissipar conjecturas de que um novo imposto sobre operações aos moldes da extinta CPMF fosse encapada pelo Governo.

No Congresso Nacional, tramitam duas propostas de reforma, uma na Câmara dos Deputados e outra no Senado, mas ainda é aguardada uma terceira, do próprio Governo Federal. O diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), Schubert Machado, acredita que nenhuma delas é satisfatória para resolver os problemas que permeiam o sistema tributário brasileiro.

Machado dedica-se ao exercício do Direito Tributário há 34 anos, desde sua formatura pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em 1985. O advogado, também membro efetivo do Instituto dos Advogados do Ceará (IAC), é coautor, juntamente com seu pai, Hugo Machado, do livro Dicionário de Direito Tributário.

Tendo em vista problemas relatados por empresas, contribuintes, consumidores e auditores, a reforma tributária é necessária?

Sim. A reforma está se tornando uma questão de sobrevivência do País. Sem isso, o Brasil não vai muito adiante. E o que fazer para atrair novos investimentos? É uma resposta simples, mas o difícil é conseguir: segurança jurídica.

Quando o investidor chega aqui e vê a complexidade que é, ele se pergunta como vai começar um negócio em que não sabe quais tributos vai pagar, qual carga tributária vai ter que aguentar, a que tipo de multa vai se submeter se acontecer algo errado. Se dissesse para ele qual é a carga tributária, mesmo que pesada, ele faria as contas: se desse lucro, ele viria. Mas não é o peso da carga tributária que assusta, é a incerteza.

Quais os principais problemas enfrentados hoje em termos de tributação?

Nós temos um sistema tributário regressivo, concentrador de renda, excessivamente oneroso, absurdamente complexo e demasiadamente confuso. O que isso significa? Um caos! Principalmente, se somar a tudo isso uma guerra deflagrada entre os entes federados por mais arrecadação.

Nosso sistema tributa mais quem menos tem e tributa menos quem mais tem. E aqui é importante abrir um parêntese. Outra coisa que tem uma distorção é o padrão de riqueza. Chegaram a dizer que quem ganha acima de dez salários mínimos é considerado rico. Isso é absurdo. Mais ricos são aqueles que têm patrimônios milionários. "Ah, mas são poucos". Aí é outro problema, a concentração de renda.

O sistema atual também é concentrador, na medida em que ele tira mais de quem menos tem, presta serviços muito ruins e distribui muito mal esse dinheiro arrecadado.

Ele é excessivamente oneroso. Hoje, a nossa carga tributária, que é medida em torno de 35% do PIB (Produto Interno Bruto), pode não ser considerada a mais alta do mundo, mas se levar em conta a qualidade dos serviços que o Estado nos presta, ela se torna uma das, se não a mais alta.

E é confuso não só pelo número de tributos, mas pela forma que está sendo aplicada. Praticamente, cada setor tem seu tributo, por conta de diferentes aplicações de alíquotas e formas de cobrança. Por que não trata todo mundo igual? Pode ser que seja injusto até certo ponto, mas muito pior é nos deixar sem segurança para estabelecer o projeto de um empreendimento.

As propostas apresentadas ao Congresso conseguirão os efeitos esperados?

Eu não gosto de nenhuma das que estão sendo sugeridas, porque elas são meramente aparentes, não mudam a essência. Tem uma que pretende unificar cinco impostos em um só, mas o único que fica é igualmente complexo, talvez até mais que os demais. Ela está tentando resolver um problema criando outro e ficando como está. Mesmo que fique assim (com um imposto único), o sistema vai continuar sendo regressivo, concentrador de renda e oneroso. As bases continuam as mesmas. Não adianta transformar cinco impostos em um.

Os secretários de Fazenda estaduais se reuniram para reformular pontos da proposta do deputado Baleia Rossi. Uma das reclamações é que, sem incentivos fiscais, seria difícil atrair novos investimentos e manter os atuais. Com essas alterações, a proposta passa a ser satisfatória?

Ela apenas corrige alguns pontos, mas a base continua equivocada. A preocupação deles é simplesmente unir vários impostos em um só, mas a tributação sobre consumo continua pesada e com todas essas outras distorções já mencionadas. A Constituição Federal tem no mínimo cinco artigos que preveem a necessidade do combate às desigualdades regionais. Mas o Governo Federal nunca assumiu seriamente esse compromisso.

Isso levou os governadores a agirem por conta deles e começaram a dar incentivos para as indústrias virem para cá, pagando menos. Isso funcionou de alguma maneira, os estados do Nordeste conseguiram atrair algumas indústrias. Mas não precisa de reforma tributária para criar um fundo.

Nenhum governador quer deixar de arrecadar. Eles só dão incentivos porque veem a necessidade de incrementar a economia local. À medida que o Governo Federal comece a agir para acabar com a desigualdade regional, o governador vai ser o primeiro a acabar com os incentivos, porque ele não quer perder dinheiro. Não necessariamente tem que ser uma troca. O Governo Federal tem que sair da inércia e praticar políticas de combate à desigualdade regional. Quando isso acontecer, o problema tende a ser equacionado.

Como o senhor avalia a aplicação de um imposto sobre transações financeiras, como a antiga CPMF?

Esse tipo de tributo é muito complexo e muito difícil de prever. O que a gente sabe é que ele vai implicar no encarecimento de todas as transações. A alíquota que chegou a ser sugerida pelo ex-secretário da Receita Federal era de 0,4%. Para deixar meu dinheiro na poupança, eu ganho 0,5% ao mês e vou ter que pagar 0,4% por cada pagamento? É muito caro.

Se você imaginar isso na economia inteira, vai ficar absurdo de caro. Eu acho que não é o momento. Além disso, incentivaria o uso do papel-moeda. As pessoas iam começar a fugir dos bancos. Não sei se a desbancarização seria um risco muito importante, porque temos outro fator relevante que é a falta de segurança.

Uma das justificativas é que possibilitaria a desoneração da folha de pagamento. O tributo incide sobre determinados fatos econômicos que são indicativos de capacidade contributiva. Um dos fatos que o Governo elegeu para tributar pesadamente foi a folha de pagamento. A folha sofre uma carga tributária muito elevada, de quase 30%, se somar tudo. O emprego passa a ser extremamente caro. A folha precisa ser desonerada com urgência para tentarmos minimizar esse índice altíssimo de desemprego que estamos enfrentando. Isso independe de haver CPMF.

O que deve mudar no sistema tributário brasileiro?

Uma das coisas é diminuir a tributação do consumo e aumentar a tributação do patrimônio e renda. Inclusive, exemplificando como a proposta do Baleia Rossi é complexa, embora se apresente como simplificadora, ela diz que vai acabar com todas as isenções e a alíquota será de 25%. Já pensou uma alíquota de 25% sobre todas as compras? Mas a proposta diz que, para os que comprovarem que são realmente pobres, o dinheiro será devolvido. Já pensou como vai ser isso num Brasil de 200 milhões de habitantes? E eu nunca vi o Estado devolver dinheiro assim. E se o cara é pobre, ele não tem nem como chegar perto para cobrar. É uma coisa meio maluca, não funciona.

Eu não vi ainda nenhuma proposta que bata na tributação da renda, que é um ponto de sustentação do sistema. Aí você pergunta se estou querendo tributar as pessoas mais do que elas já são. Não, quero tributar as pessoas à medida da capacidade contributiva de cada um. Se ela tem muito patrimônio, se ela tem muita renda, ela tem condição de pagar o tributo dela para viver num País melhor. O que falta no Brasil é a vontade política de resolver o problema. Vontade política que seja ampla. Sem isso, nós não vamos conseguir.

Essas reformas tributárias que estão colocando aí são tudo fachada. Não vai resolver nada, se duvidar, piora e sem diminuir a carga tributária. Hoje, a reforma é só um palanque político, uma maquiagem que estão tentando fazer para esconder alguns problemas, mas a estrutura continua com a mesma base caótica que tem gerado todos os problemas que nós temos hoje.

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