Orçamento anual para blocos irem para a rua chega até R$ 120 mil

Planejamento financeiro é seguido à risca por organização de grupos carnavalescos em Fortaleza para garantir caixa robusto e colocar a festa na rua. Apenas durante o Pré-Carnaval, despesa chega a R$ 75 mil

Escrito por Ingrid Coelho , ingrid.rodrigues@diariodonordeste.com.br

Quando a carne é de Carnaval e o coração é igual, a paixão leva o esforço a um patamar inimaginável e vira trabalho para quase todos os meses do ano. E isso não é caso exclusivo de quem faz o desfile da Sapucaí, no Rio de Janeiro, ou do Sambódromo, em São Paulo. Em Fortaleza, tem quem praticamente viva para garantir uma cifra de até R$ 120 mil, o valor necessário para manter as atividades de um bloco no Pré-Carnaval e Carnaval na Capital cearense.

Como é no Camaleões do Vila. Tiago Nóbrega, presidente do bloco que chega ao nono ano de Pré-Carnaval em Fortaleza, conta que o orçamento se divide entre a preparação dos ritmistas, compra e manutenção dos instrumentos e salário dos profissionais que integram o bloco. Ele explica que, dos cerca de R$ 120 mil necessários para manter o bloco, entre R$ 70 mil e R$ 75 mil são empenhados no Pré-Carnaval. "Temos cinco músicos 'fixos' conosco. No período pré-carnavalesco e para o Carnaval, estendemos o quadro e ficamos com oito músicos profissionais", detalha.

O dinheiro também é destinado ao pagamento do aluguel do espaço para os ensaios. Nóbrega detalha que são realizados ao longo do ano pelo menos 30 ensaios.

"O custo, juntando aluguel do espaço e do som, é 'considerável'. Nós ensaiamos sempre aos sábados, no período da tarde. É um horário considerado nobre para o músico, então acaba saindo mais caro", acrescenta. Já a festa ocorre dentro de um estabelecimento particular parceiro do bloco. "A gente tem a nossa sede, paga o espaço, mas de certa forma é uma parceria, então não seria exatamente o que pesa mais", frisa Tiago Nóbrega.

O Camaleões do Vila é formado por 120 participantes, incluindo os músicos profissionais e os ritmistas amadores. Este ano, o grupo não foi contemplado no Edital de Apoio aos Blocos de Rua 2019 da Prefeitura de Fortaleza. A chamada pública atende 56 projetos, entre blocos estreantes e veteranos. Os veteranos pleitearam apoio de R$ 11 mil e os estreantes, de R$ 2.750. O valor total chega a R$ 550 mil, distribuídos entre 48 blocos veteranos (R$ 528 mil e oito estreantes (R$ 22 mil).

Apoios

O apoio da Prefeitura corresponderia a cerca de 10% do orçamento anual do bloco e, por isso, atividades para manter o caixa robusto são necessárias com ou seu o apoio financeiro da Prefeitura. De acordo com Tiago Nóbrega, além do auxílio dos patrocinadores - para o Carnaval deste ano, o grupo conta com quatro -, o bloco mantém uma escola particular de formação de ritmistas. "Pouco tempo após o Carnaval, a gente abre vagas para quem quiser ingressar na escolinha", diz. A mensalidade varia entre R$ 35 e R$ 50.

A manutenção de uma escolinha de formação de ritmistas também é a estratégia adotada, há 22 anos, pelo grupo que faz o tradicional Grêmio Recreativo Bloco Carnavalesco Unidos da Cachorra. Logo após o fim do Carnaval, as aulas começam e se estendem até novembro. A última turma contou com 90 alunos.

De acordo com a presidente do bloco, Débora Araújo, o Unidos da Cachorra mantém ainda uma loja para a venda de produtos personalizados com a marca deles e conta com a venda de bebidas.

"Nós começamos os ensaios em abril e vamos até dezembro. Para manter as atividades do bloco, contamos com dez funcionários ao longo do ano - no Pré-Carnaval são convocados quatro funcionários temporários -, entre empregados na lojinha, músicos e o pessoal de apoio. A venda de produtos paga a despesa da própria secretaria", explica Débora, contabilizando ainda o apurado com algumas apresentações e as mensalidades da escola para manter o bloco.

Na avaliação dela, durante o Pré-Carnaval pesam mais ainda no orçamento as despesas como o aluguel da quadra para os ensaios do grupo, que conta com 200 integrantes, e de equipamento de som e pagamento ao pessoal do apoio.

Apenas para manter a quadra e os equipamentos de som durante o Pré-Carnaval, o bloco arca com R$ 6 mil por mês. "Isso sem contar com profissionais de música e apoio. Se colocarmos na conta, sai em torno de R$ 2,5 mil a mais", diz Débora Araújo.

Contemplado no edital de apoio da Prefeitura, o bloco é um dos que terá auxílio financeiro de R$ 11 mil para o custeio das festas. "O dinheiro do edital da Prefeitura não bota o bloco na rua. É basicamente só para a elaboração das camisas. Sim, é uma ajuda boa, mas a gente precisa fazer o nosso caixa ao longo do ano e buscar parceiros", arremata Débora Araújo.

Estreia

Tradicional centro de festas nas manhã de domingo, o Polo dos Queijos foi oficializado este ano pela Prefeitura como parte do ciclo de Pré-Carnaval de Fortaleza. O nome deve-se por abrigar há pelo menos cinco anos a festa dos amigos do Raimundo dos Queijos, um senhor de 83 anos que há quatro décadas trabalha de domingo a domingo na Rua General Bezerril, no Centro de Fortaleza.

No último dia dois deste mês, foi o primeiro dia de festa no novo Polo. Enquanto comandava as atividades no bar, em meio às marchinhas, Raimundo conta que vê a festa no local como um reconhecimento. "Eu fico muito feliz. A amizade que tenho com todos aqui é muito grande", diz.

Em 2019, a banda e a estrutura do palco ficaram por conta da Prefeitura de Fortaleza. De acordo com Raimundo, quando a música ficava por conta do bar, a despesa chegava a cerca de R$ 2 mil.

O filho dele, Adriano Veras - um dos idealizadores da festa -, explica que quando não havia o apoio do poder público, o dinheiro para bancar a celebração era fruto da venda de camisetas do bloco e de bebidas. "O faturamento deve dobrar agora nesse período. Mas nosso esforço é para divertir e reunir o pessoal", diz, acrescentando a expectativa de que ao menos mil pessoas passem pelo Polo a cada domingo de Pré-Carnaval.

Orçamento dividido

Já na Gentilândia, Lídia Maria se divide entre a contratação de músicos e as jornadas em busca dos tecidos para a confecção dos figurinos a serem usados nas apresentações do Bloco do Prazer, que também conta com o apoio da Prefeitura. "Temos um edital de apoio, mas, no momento, não é o suficiente. É um grande incentivo, mas a gente do bloco precisa incrementar com patrocínio e tiro do meu próprio bolso", diz Lídia, que é cantora profissional.

Ela explica que divide o orçamento entre contratação de músicos, locação do estúdio para ensaios, produção de fotos e de figurino. "O bloco na Praça conta com seis músicos além de mim, porque a gente tá sem condições de contratar um técnico de som e, se eu pudesse, contrataria ainda bailarinos", fala.

"Um bloco de Carnaval precisa de muito investimento, porque para acontecer são necessárias muitas pessoas. Por isso esse incentivo da Secretaria da Cultura é tão importante", arremata Lídia Maria.

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