Bolsonaro vê atropelos em ações de Guedes no combate ao coronavírus

No episódio mais recente, Bolsonaro confiou em Guedes para fazer um aceno ao setor produtivo

Escrito por Folhapress ,
Foto: Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A pandemia de coronavírus gerou novo ruído entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro Paulo Guedes (Economia), o que aumentou seu desgaste junto ao Palácio do Planalto. Na semana passada, o presidente avaliou que o ministro se antecipou a ele na apresentação de medidas econômicas para enfrentar a doença. Isso incomodou Bolsonaro no momento em que ele tentava ganhar protagonismo no enfrentamento à crise de saúde.

Nesta segunda-feira (23), uma MP (medida provisória) proposta pelo Ministério da Economia teve forte reação negativa na base bolsonarista. Foi necessário um recuo público. Para ministros palacianos, no episódio mais recente, Bolsonaro confiou em Guedes para fazer um aceno ao setor produtivo. A ideia era enviar, em seguida, uma nova MP prevendo a compensação do governo.

A falta da contrapartida no texto inicial, no entanto, deixou a medida insegura e teve como resultado protestos no Poder Legislativo e críticas nas redes sociais.

No momento em que tem sofrido panelaços por conta de sua postura diante da pandemia, Bolsonaro tem trocado acusações com adversários políticos e se indisposto com sua equipe ministerial.

A perda de apoio, sobretudo nas redes sociais, alterou o humor do presidente, segundo auxiliares palacianos, e o levou a se irritar com decisões administrativas que até então não o incomodavam.

Na segunda-feira, Bolsonaro até ensaiou um arrefecimento do discurso, mas, na noite desta terça-feira (24), voltou a atacar governos estaduais na tentativa de municiar a militância digital em sua defesa.

Além de já ter discordado do ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), que se tornou o porta-voz do combate à doença, o presidente também começou a demonstrar incomodo com o "posto Ipiranga".

Na semana passada, Bolsonaro reuniu nove ministros e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para discutir políticas de combate ao novo coronavírus. No início da reunião, no entanto, dois auxiliares presidenciais não estavam disponíveis: Mandetta e Guedes.

O primeiro recebeu uma ligação da Presidência da República. Ele informou que estava em uma reunião no STF (Supremo Tribunal Federal) junto com a cúpula do Congresso Nacional. E, de acordo com relatos, foi cobrado por isso. O segundo era uma incógnita para o presidente.

Já na reunião, Bolsonaro perguntou sobre o ministro da Economia. Ele foi informado que Guedes estava em uma entrevista à imprensa apresentando medidas econômicas contra o coronavírus.

Naquele dia, Guedes anunciou um pacote que, com propostas que haviam sido divulgadas na semana anterior, significaria a injeção de R$ 147,3 bilhões na economia.

Segundo relatos feitos à reportagem, a ausência de Guedes causou mal-estar. A reunião no Palácio do Planalto havia sido convocada justamente para discutir a necessidade de maior articulação no anúncio de iniciativas.

A ideia era que as medidas de combate ao novo coronavírus passassem a ser informadas publicamente na presença do presidente, em esforço para rebater as críticas dos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), de que Bolsonaro não tem adotado postura de liderança no enfrentamento da doença.

A intenção do presidente era gerar pauta positiva diante de notícias negativas. Com o anúncio separado, a avaliação no Palácio do Planalto foi a de que o ministro atropelou Bolsonaro.

De acordo com assessores presidenciais, Bolsonaro cobrou Guedes quando ele chegou ao Palácio do Planalto. Mais uma vez, teria dito que, se a economia degringolasse, a culpa seria do ministro.

Na última segunda-feira, o presidente teve um novo episódio de tensão com o ministro, que estimulou novos panelaços pelo país.

No fim de semana, o Ministério da Economia elaborou uma medida provisória que incluía a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses.

Segundo assessores palacianos, antes de ser publicada no domingo (22), a iniciativa teve a chancela do presidente, que recebeu a avaliação da equipe econômica de que ela teria o apoio do setor produtivo.

No dia seguinte, no entanto, a repercussão geral foi negativa, com críticas de perfis de direita nas redes sociais. O repúdio da iniciativa até mesmo na base bolsonarista assustou o presidente.

Ele telefonou para Guedes e pediu a retificação. Segundo deputados bolsonaristas, em conversas reservadas, o presidente culpou a equipe econômica pelo episódio.

Para ele, a pasta deveria ter redigido um texto mais claro, com previsão de uma ajuda do governo aos trabalhadores durante os quatro meses, e avaliado com antecedência que a medida poderia ter reação negativa.

O episódio levou integrantes do mercado financeiro a apostar em uma demissão do ministro. Apesar de membros da equipe econômica reconhecerem que a relação entre ambos passa por dificuldades, Bolsonaro divulgou uma fotografia com Guedes na noite de terça-feira (24), negando qualquer conflito.

Não é a primeira vez que Bolsonaro se indispõe com Guedes. Em fevereiro, o ministro foi cobrado pelo presidente a entregar um crescimento de pelo menos 2% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano.

A pandemia, no entanto, tornou improvável que o país atinja o patamar. Na sexta-feira (20), o Ministério da Economia cortou a projeção oficial, de 2,10% para 0,02%.

No Poder Legislativo, líderes partidários avaliam que Bolsonaro demonstrou na atual crise agir com um excesso de personalismo e egocentrismo. Eles dizem que o presidente não admite que a atuação de sua equipe ministerial se sobreponha à sua.

Em meio a uma nova crise, de acordo com deputados bolsonaristas, o presidente tem se sentido ainda mais pressionado a apresentar resultados. Ele passou a ser cobrado por aliados políticos e por sua base eleitoral a mudar de conduta diante da crise do coronavírus, o que o levou a querer centralizar sobre si os principais anúncios.

Com essa postura, Bolsonaro tenta também se contrapor a Doria e a Witzel, seus eventuais adversários nas eleições presidenciais de 2022. Na tentativa de evitar que ambos obtenham dividendos eleitorais com a pandemia, Bolsonaro tem defendido que Mandetta evite posar ao lado de Doria e de Witzel.

Na semana retrasada, Bolsonaro se irritou ao ter visto imagens de Doria ao lado de Mandetta. Após o episódio, Doria elogiou Mandetta e afirmou que se arrependeu de ter votado em Bolsonaro.

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