Auditoria vê ágio injustificável em compras de fundos geridos por Guedes

Os investimentos foram feitos com recursos captados de fundos de pensão patrocinados por estatais e do BNDES

Escrito por Folhapress ,
Legenda: Guedes afirmou ainda, durante seu discurso, que o mercado de trabalho no Brasil "não funciona, não é competitivo"
Foto: Foto: Divulgação

Auditorias da Funcef – entidade de previdência complementar dos funcionários da Caixa – afirmam que FIPs (fundos de investimento em participações) geridos pelo hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, pagaram, sem justificativa técnica adequada, R$ 385 milhões de ágio para adquirir empresas.

Os investimentos foram feitos com recursos captados de fundos de pensão patrocinados por estatais e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Guedes montou, por meio de sua empresa de gestão de ativos, FIPs que receberam, entre 2009 e 2014, R$ 1 bilhão em recursos dos institutos que administram os planos de pensão e aposentadoria dos empregados de empresas públicas.

Entre eles estão Funcef, Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Postalis (Correios), além do BNDESPar -braço de investimentos do BNDES.

O agora ministro fundou a gestora BR Educacional em 2007, empresa que, em 2013, passou a integrar o grupo Bozano, que ele deixou no ano passado, após a eleição do presidente Jair Bolsonaro.

As auditorias da Funcef, de fevereiro deste ano, foram feitas a pedido do MPF (Ministério Público Federal), que conduz duas investigações sobre fraudes nos negócios, supostamente praticadas em consórcio por Guedes e dirigentes dos fundo de pensão.

A principal suspeita, baseada em relatórios da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), é que eles tenham gerado ganhos excessivos ao ministro, em detrimento dos cotistas dos FIPs.

Um dos fundos, o Brasil de Governança Corporativa, pagou R$ 278 milhões de ágio ao comprar participação em quatro empresas cujos valores patrimoniais somavam R$ 210,9 milhões.

Outro FIP, o BR Educacional, desembolsou extra de R$ 107 milhões por três companhias, enquanto o patrimônio delas somados era de R$ 73 milhões.

Os relatórios da Funcef, obtidos pela Folha, registram que, para justificar o ágio pago, a gestora de ativos de Guedes deveria ter apresentado laudos de avaliação técnica de escritórios especializados, o que não ocorreu.

Eles atestariam se, de fato, houve "fundamento econômico-financeiro" para o pagamento do valor sobressalente. Um documento da própria empresa do ministro registra a necessidade dos estudos, mas só foram apresentados levantamentos que ela mesma produzira.

O ágio é pago quando o valor de mercado de um bem é maior que o seu valor contábil. É a chamada mais-valia dos ativos. Em outra hipótese, objetiva-se remunerar uma expectativa de rentabilidade futura dos bens que estão sendo adquiridos.

"A existência do ágio sem fundamento adequado e sem a confirmação das premissas pelo processo de due diligence [diligências] eleva o risco de perda para os quotistas, no qual não há clareza em relação ao benefício do ágio nem a forma como ele está sendo amortizado", diz trecho de uma das auditorias.

Houve caso em que quase o total desembolsado por uma empresa foi de ágio. Os percentuais mais altos foram empregados justamente nas transações em que a Procuradoria aponta alguma possibilidade de fraude.

Para comprar a HSM Educacional, voltada para eventos e cursos de educação empresarial, o FIP BR Educacional pagou R$ 55,2 milhões, dos quais R$ 4,8 milhões pelo patrimônio e R$ 50,2 milhões (91%) por um suposto valor intangível da empresa, atribuído à marca.

Em 2011, dois anos após o desembolso, um documento da empresa de Guedes registrou que esse mesmo ativo valia cerca de 10% do que fora pago (R$ 5,1 milhões). As auditorias vão subsidiar, no âmbito da Funcef, processos de apuração de responsabilidade por irregularidades e prejuízos nos negócios dos dois FIPs.

Também servirão para embasar as investigações do MPF, tocadas em sigilo pela força-tarefa Greenfield, grupo formado por membros da Procuradoria da República em Brasília.

Outro lado

A defesa do ministro reiterou que desde o ano passado ele "não tem qualquer vínculo com qualquer empresa, exatamente como exige a lei aos ocupantes de cargos públicos".

"No entanto, vale reafirmar a legalidade e a correção de todas as operações dos fundos, dos quais foi sócio, e que, diga-se de passagem, foram lucrativos aos cotistas, incluindo os fundos de pensão", diz nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso. A defesa informou ter apresentado vasta documentação ao MPF, "comprovando a diligência, lisura e lucratividade dos investimentos".

A Funcef, também por escrito, afirmou que aguarda o resultado da Comissão Técnica de Apuração (CTA) que analisa as auditorias.

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