´Não dá para sentar à beira da estrada e chorar´

Escrito por Redação ,
Legenda: O professor Ignacy Sachs não é otimista em relação aos avanços da Rio + 20 neste contexto de crise econômica mundial. Ainda assim, acredita que dá para avançar alguma coisa no sentido do desenvolvimen
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Na semana passada, o economista francês Ignacy Sachs esteve em São Paulo, onde falou sobre perspectivas

São Paulo. Aos 85 anos, Ignacy Sachs, professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, tem no currículo a participação na Conferência sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo (1972), na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92) e já tem suas propostas para a Rio + 20, programada para junho próximo. Ele proferiu palestra sobre o Investimento Social na Construção de Cidades Sustentáveis, no 7º Congresso Gife - Novas Fronteiras do Investimento Social, realizado em São Paulo, durante a semana passada.

Para esse grande pensador do Desenvolvimento Sustentável, não dá para falar em sustentabilidade ambiental sem colocar ao mesmo nível de igualdade a sustentabilidade social. "O que é uma cidade sustentável? É uma ilha? Um paraíso envolto por favelas e com um mundo rural condenado a ser explorado pelo mundo urbano? Não. Cidades sustentáveis fazem parte de um país sustentável e países sustentáveis fazem parte de um mundo sustentável", declara.

Ele admite o temor ao analisar a sustentabilidade ambiental e social em nível global e pensar o que vamos fazer para caminhar neste sentido lembrando que em pouco tempo seremos 9 bilhões. "Assegurar a todos uma vida decente, do ponto de vista do consumo material, e ao mesmo tempo, uma vida interessante, do ponto de vista das oportunidades, é uma tarefa complicada e difícil, que estamos começando a entender por meio de um processo que começou com a Conferência de Estocolmo, continuou com a Rio 92", afirma.

Para ele, é um tributo aos brasileiro e ao Brasil que a Conferência esteja voltando ao Rio de Janeiro, "conquanto se deem conta da justiça ambiental, de repensar todo o processo histórico do qual somos parte, do nosso relacionamento com a nave espacial Terra. Ao fazer o exame crítico do que aconteceu, desde Estocolmo até hoje, dou-me conta de que não temos muito tempo para redefinir as estratégias de desenvolvimento".

Debate democrático

"Eu, pessoalmente, estou convencido de que não dá para acreditar que essa redefinição das estratégias de desenvolvimento em nível planetário possa se dar através do jogo espontâneo das forças de mercado", destaca, considerando que precisamos reabilitar o conceito de planejamento que estava na moda quando o seu instrumento técnico mais usado era o ábaco.

"Eu vivi neste País durante a guerra e, logo após, quando voltei, em 54, ao meu país, Polônia, em todas as lojas tinha um ábaco porque não havia máquina de calcular. Mas calcular tudo que deve ser calculado em um planejamento prospectivo em um horizonte temporal de 20 anos usando ábaco não dá. Todo mundo estava a favor do planejamento na época do ábaco e estamos rejeitando planejamento na idade do computador. Isso não deixa de ser um paradoxo", diz.

O economista esclarece que, para que o planejamento possa fazer o que esperamos dele, é preciso, em princípio, construir um diálogo quadripartite entre o Estado, os empresários, os trabalhadores e a sociedade civil organizada: "Seria um erro insistir unicamente sobre um computador em comparação ao ábaco se a gente deixar de colocar imediatamente no debate a questão do diálogo social que deve ser organizado ao redor. Se olharmos para trás, sobre a curta e movimentada história do planejamento, vamos ver que a maioria dos erros e das tragédias do passado se deveram não a um problema do instrumento técnico na mão do planejador, mas à falta de um debate democrático genuíno e justo entre os quadro grupos de atores".

Sachs acredita que, se quisermos avançar de maneira a não continuar destruindo desnecessariamente o potencial do nosso Planeta e trabalhando para que amanhã 9 bilhões de "passageiros da nave espacial terra" possam viver todos melhor, temos que voltar com certa urgência aos "cinco dedos da mão visível". O primeiro deles é o Contrato Social de Rousseau, um mega contrato social planetário. O segundo é o planejamento em detrimento das forças do mercado.

O economista detalha, no entanto, dois grandes problemas fundamentais: a Segurança Alimentar e a Segurança Energética: "A Segurança Alimentar passa pela reabertura da discussão sobre reforma agrária e a colocação, no meio do debate, da conjunção da revolução verde (terra) com a revolução azul (água). A energia é também um nervo do progresso, mas é uma discussão delicada. Estamos no fim da era das energias fósseis, senão pelo esgotamento físico, pela necessidade de limitar o seu uso para evitar o aquecimento excessivo do Planeta. Temos que prever a saída ordenada das energias fósseis".

Ele considera que, ao lado da Segurança Alimentar, a Segurança Energética é um tema da maior importância para definir as estratégias. Sendo que o problema não está unicamente na busca das alternativas técnicas. "Primeiro temos que aprender a sermos mais sóbrios em termos de uso; segundo temos que caminhar sempre que possível no sentido de um uso mais eficaz; e a escolha da fonte de energia vem só em terceiro lugar dentro dessa estratégia".

Cooperação Internacional

O quinto dedo destacado por Sachs é uma reflexão aprofundada sobre para onde devem caminhar as Nações Unidas. "Eu acho que a Rio + 20 será uma oportunidade boa para colocar esse problema, um tema extremamente complexo e eu gostaria de insistir sobre dois elementos: primeiro somos ou não somos capazes de criar um fundo internacional de desenvolvimento includente e sustentável?"

O economista afirma que, para a construção de um fundo de desenvolvimento ambiental socialmente includente e ambientalmente sustentável, primeiro seria preciso reabrir um debate que vem dos anos 40, de que os países ricos deveriam destinar 1% do seu PIB a este fundo de solidariedade internacional. O segundo passo seria por em prática um conceito que foi muito discutido e, em tese, bastante admitido, mas que até hoje não funcionou, que é a Taxa Tobin sobre as transações financeiras. O terceiro é a criação de um imposto sobre o carbono.

Por último, do ponto de vista financeiro, ele levanta um tema que defendo há anos: o pedágio sobre ares e oceanos. "Os ares e os oceanos são o patrimônio comum da humanidade e não é preciso argumentar muito para justificar que haja uma taxa sobre o seu uso, que tomaria a forma de uma pequena sobretaxa sobre todas as passagens aéreas e sobre todos os fretes".

Resumindo, o pensador destaca que, se somar o 1% do PIB dos países ricos à Taxa Tobin, a um imposto sobre carbono emitido e aos pedágios sobre ares e oceanos ele acredita que poderemos, com uma certa facilidade, chegar a 2% do PIB mundial.

Interação por biomas

"Tudo isso para dizer que o problema financeiro comporta soluções conquanto coloquemos um segundo objetivo, que é a criação de redes de cooperação científica e técnica reorganizadas do ponto de vista territorial, por biomas. É a cooperação da Bacia Amazônica com a Indonésia, pegando no meio o Congo e assim por diante. Aprender a trabalhar juntos sobre temas comuns, de melhor aproveitamento dos recursos renováveis dos diferentes biomas que constituem o nosso Planeta", defende.

E continua: "Eu estou propondo racionalizar uma troca de experiências que funcionou na história de uma maneira um tanto diferente. No século XVI, XVII e até XVIII a maioria das caravelas que saía de Portugal para à Ásia não ia ao longo da Costa Africana. Aproveitava os ventos alísios, gerando um intercâmbio que não estava previsto. Portanto, o coco-da-bahia não é da Bahia. Entrou no Brasil pela Bahia, mas é um coco bem indiano. Se você for a Uberaba encontra fotos de fazendeiros brasileiros em visita à Índia depois da Primeira Guerra Mundial para comprar gado porque o gado indiano está adaptado à floresta tropical. Se colocar uma boa vaca holandesa no meio da Amazônia não vai ter resultados econômicas, mas gado nelore, sim".

Para Sachs, nada nos impede de racionalizar esses processos. Ele acredita que dá para construir grandes programas de cooperação técnica que se pautam por uma nova geografia, não pela proximidade, mas pelo compartilhamento de biomas semelhantes. Começar primeiro a entender a própria história, no que ela é diferente e no que ela é similar, e depois se debruçar sobre boas práticas que merecem ser apropriadas e testadas. "Isso está por ser feito, mas, em certa medida, aconteceu durante a época colonial, um pouco por acidente", resume.

O professor destaca que tem uma biografia bastante especial, pois nasceu na Polônia, chegou em Brasil em 1941, se diplomou pela Cândido Mendes, fez seu doutorado na Índia. Mas dá para fazer essas coisas de uma forma mais simples, que não biografias complicadas de refugiados de guerra. "Quantos estudantes brasileiros estão hoje fazendo doutorado na Índia. Quantos indianos estão fazendo o doutorado aqui? Que tal mandar 50 brasileiros e receber 50 doutorandos indianos por ano e deixar que isso aconteça por cinco anos? Mesmo perdendo mercado teremos brasileiros que entendem da Índia e indianos que entendem alguma coisa do Brasil e se você por eles para trabalhar juntos vai dar resultado", sugere.

Rio + 20

Para Sachs, a Rio + 20 poderá cumprir o seu objetivo se ela for uma conferência de roteiro com um mínimo de decisões imediatas e uma insistência muito grande sobre o que nós podemos fazer nos próximos anos: "Nós temos que ir construindo aquele fundo de desenvolvimento includente e sustentável, mas temos que, com muito maior insistência, ir construindo redes de cooperação científica e técnica por biomas e voltar a nos reunir, em três, quatro ou cinco anos, em base a planos nacionais de desenvolvimento includentes e sustentáveis com uma série de conceitos comuns, como a pegada ecológica, perfil energético, geração de oportunidades de trabalho decentes para que possamos iniciar essa tarefa de harmonizar, compatibilizar esses planos nacionais valendo-se destes dois instrumentos internacionais que eu já mencionei, um grande fundo de desenvolvimento includente e sustentável e de uma rede de cooperação científica e técnica por biomas".

Sobre a visão pessimista do cenário de crise econômica mundial, ele diz que é razoavelmente pessimista: "Eu não penso que a Rio + 20 vai ser um mar de rosas, onde todo mundo vai aplaudir com força todas as ideias. Mas assim mesmo eu acho que; se ela contribuir para a criação de um bloco dos emergentes, do qual o Brasil e a Índia são os dois abre-alas; e propor algumas coisas concretas nessa linha de cooperação técnico-científica por biomas, vamos dar um passo à frente. Esperar que o mundo esteja de acordo de antemão e que as condições sejam ótimas, não dá. Tem que trabalhar com o que existe. Não sou muito otimista, mas também não acredito que devamos sentar à beira da estrada e chorar".

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Biografia de um refugiado da Segunda Guerra

O economista francês de origem polonesa Ignacy Sachs, nascido em 1927, é um dos mais importantes pensadores sobre o desenvolvimento sustentável. Estudou Economia no Brasil (Cândido Mendes), na Índia (doutorado na Delhi School of Economics) e na Polônia. Desde 1968, é professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) de Paris onde criou, em 1973, o Centro Internacional de Pesquisa sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CIRED) e em 1985, o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo (CRBC). É também pesquisador associado do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.

Maristela Crispim
Editora

A jornalista viajou a convite do 7º Congresso Gife
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