Madrugada na José Avelino tem maior comércio ao ar livre

Escrito por Redação ,
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Feira, que ocorre de domingos para segunda e de quarta para quinta, reúne compradores de diversos Estados

O relógio marca: aproxima-se da meia-noite. É domingo e, quando se pensa que a cidade para, preparando-se para a semana que inicia, um aglomerado imensurável de gente briga por um espaço no meio da pista e das calçadas. Estamos na rua José Avelino, no Centro da cidade, no local que, em pouco tempo, vai se tornando a maior feira ao ar livre de confecções do Estado, e uma das maiores do Nordeste. O asfalto e as pedras de calçamento viram a cama improvisada de uma multidão de vendedores. Pedaços de lona estendidos ao solo, delimitados por tijolos, formam o "colchão" que em algumas horas se transforma no "escritório" destes trabalhadores informais. E não são só eles, mas também seus filhos. Não é difícil encontrar crianças esparramadas pelo chão.

É a feira da madrugada, que ocorre na virada de todos os domingos para segundas-feiras e das quartas para quintas-feiras. Para o primeiro período, onde a concentração de compradores e vendedores é maior, há gente que chega ainda no sábado à noite para dormir e garantir seu espaço e, consequentemente, sua renda.

A vendedora Lourdes Lima, 39, havia chegado às 4h30 do sábado para o domingo. "Já fui chegando e começando a trabalhar. É assim todo fim de semana. Já na quarta-feira, chego 7 horas da manhã, esperando pelo dia seguinte", conta. Assim como todos que estão por lá, ela espera pelos ônibus que trazem os sacoleiros, que vêm das mais diversas localidades: São Paulo, Maranhão, Pernambuco, Bahia, entre outros. Os grupos de africanos, vindos de Cabo Verde, também são ansiosamente esperados. "O lucro aqui é com os sacoleiros, principalmente".

"Apurado bom"

Lourdes vende os vestidos que produz em sua facção, no bairro Jardim Guanabara. O apurado é bom, mas ela diz não saber uma média de quanto consegue lucrar com a feira. Mas este não é o caso de Lena Alves, 29. "Aqui, lucro, junto com meu marido, cerca de R$ 5 mil ao mês. Com isso, sustento meus três filhos", revela. Ela, como a maioria, vende roupa, e havia chegado às 6h do domingo. "Já estava cheio, quando cheguei". Mensalmente, conta que consegue vender cerca de mil peças.

Ela já trabalha informalmente, como feirante, há 10 anos. Já trabalhou em empresa, formalizada, mas por pouco tempo. Logo, resolveu começar como vendedora de rua em frente à Igreja da Sé, quando ainda existia feira por lá. "Enquanto Deus permitir, eu pretendo continuar aqui", projeta.

Lena reclama da falta de segurança no local à noite, assim como a maioria dos vendedores de lá. Entretanto, segundo a titular da Secretaria do Centro, Luiza Perdigão, a feira, sendo noturna, é considerada clandestina. "Não há lei que permita ao Município regulamentar este tipo de comércio nem aportar a ela serviços como o da Guarda Municipal", explica. (SS)

PROBLEMA NO CENTRO

Ordenamento surge como desafio ao poder público

A feira da José Avelino tornou-se uma mina de ouro. É fato. Contudo, essa economia de base informal, que costumeiramente também envereda pela ilegalidade da pirataria e da falsificação, também traz um outro problema para a área: a desordem no espaço público. E a resolução disso é hoje um dos grandes desafios do Poder Público no Centro da cidade.

Antes se estendendo até a frente da Praça da Sé, a feira, após determinação da Prefeitura de Fortaleza, ficou restrita à rua. Pelo menos na teoria, porque, na prática, a rua Conde D´Eu ainda é invadida por vendedores que não conseguiram garantir um espaço na área liberada para este comércio.

Na quinta-feira pela manhã, fiscais da Prefeitura faziam uma "ronda" pela rua da Catedral Metropolitana, mas a presença destes não acanhava muitos dos ambulantes, que persistiam vendendo por lá, abordando os transeuntes - que não são poucos - que vão passando.

"O ´rapa´ pode tomar as mercadorias, mas o pessoal continua arriscando", reforçou o ambulante Eriberto Silva, 40.

Ele, que ficava no cruzamento entre as duas ruas, havia chegado à feira ainda às 10h da quarta-feira. Cerca de 24 horas depois, ainda estava por lá.

Horário descumprido

E este é um outro problema da feira: o horário acordado para o seu funcionamento, que deveria terminar às 7h, não é cumprido. Por volta das 10h da quinta-feira, a reportagem voltou à feira, e comprovou isso.

A grande movimentação de sacoleiros e consumidores da própria Capital tornava o acesso à rua complicado.

Mas Eriberto só sai quando o movimento para. "Tiro aqui R$ 1.700 por mês, tem mês que chega a R$ 3 mil. Antes, trabalhava em empresa, mas com um salário só não dava. Hoje, tenho casa, carro e filhos formados, e tudo isso consegui com o lucro que tiro da feira", justifica.

Já perto das 11h, a comerciante Meire Torres ainda não havia terminado suas compras na feira. Ela possui uma lojinha no bairro da Maraponga, onde revende a confecção que compra na feira. "Eu venho aqui sempre que tenho dinheiro. Compro uma blusa de R$ 10 e vendo por R$ 20, e por aí vai!", diz, saindo com uma sacola repleta de roupas.

Para tentar reordenar essa situação, a titular da Sercefor, Luíza Perdigão, afirma que a Prefeitura tem planos de transferir a feira a outro lugar, ainda indefinido, mas com melhor estrutura para os negócios.

MOVIMENTO INVERSO

Concorrência injusta tira formais da legalidade

O avanço da informalidade no Centro da Cidade, em específico na feira da rua José Avelino, está contribuindo para o surgimento de um movimento que segue na contramão do objetivo das políticas públicas que estão sendo criadas nas esferas local e federal. Em virtude da concorrência com os feirantes, comerciantes, antes formalizados, de comércios aos redor estão fechando suas portas e partindo para a informalidade, dando cabo à máxima que diz: "se não pode vencê-los, junte-se a eles".

A realidade é emblemática entre permissionários do Mercado Central do Fortaleza, localizado na Conde D´Eu, próximo á feira. Nos dias de segunda e quinta-feira, por mais que uma determinação judicial proíba, feirantes se espalham da José Avelino até a frente do Mercado, desafiando a fiscalização existente no local. O resultado é redução de 40% a 50% nas vendas do centro comercial.

"Esse mercado informal tem prejudicado muitos dos nossos permissionários, em todos os sentidos. Principalmente, em relação à concorrência desigual. Nós pagamos depósito, funcionário, impostos, taxa, condomínio, e eles não tem custo nenhum. Por isso, podem oferecer preços menores", reclama o presidente da Associação dos Lojistas do Mercado Central de Fortaleza (Almec), Juarez Elias. "Além disso, geram sujeira e bagunça em frente ao nosso mercado, o que acaba afastando os turistas, que são nossos grandes consumidores", completa. Em virtude disso, aponta, muitos dos permissionários já saíram do mercado para venderes na feira. (SS)

APESAR DO ESFORÇO

Lucro justifica situação de trabalho

Sentada sobre o balcão, rodeada de blusas, vestidos, saias, entre outras confecções, a vendedora "Toinha", de 27 anos, vai ganhando os seus clientes com sorriso e preços convidativos. Há sete anos, trabalha como vendedora de confecções nas mais diversas feiras do Estado. Viaja entre as cidades de Cascavel, Horizonte, Pacajus e Fortaleza para levar os produtos, trazidos de uma facção na Capital. Os lucros adquiridos mensalmente a convencem: não há planos de sair da informalidade. O trabalho informal que ela realiza não lhe permite saber quanto que vai ter de renda ao final do mês, mas isso, afirma, não chega a ser uma preocupação. Em geral, o que apura é superior ao salário mínimo. Levando somente isso em consideração, ela afirma: "eu quero sempre trabalhar neste ramo, ser independente".

Direitos trabalhistas

Contudo, quando se pergunta sobre direitos trabalhistas, aposentadoria, por exemplo, ela diz: "não penso nisso, por enquanto". Assim como ela, muitos trabalhadores veem nos ganhos desta atividade mais estímulos do que o trabalho formal. A possibilidade de formalizar o pequeno negócio, para muitos, nem sequer é cogitada.

É o caso de Lucivanda Ramos, 40. Aproveitando o calor e a grande movimentação de gente na feira, ela vende dindins e musses feitos em casa. Como não sabe ler, e tem que sustentar cinco filhos, nunca procurou um emprego ou sequer pensou em formalizar-se como micro empreendedora.

Antes vendendo roupas, resolveu mudar de ramo após ter sua mercadoria roubada. Já vendeu água na praia e foi babá em casa de família. Atualmente, fabrica cerca de 300 dindins por dia, e os vende todos. "Isto está me dando mais lucro. Vou pra onde consigo tirar dinheiro", diz. (SS)
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