Lojistas apostam em briga de maquinetas para estimular negócios

Movimento iniciado pela Rede fez com que as demais empresas do segmento, incluindo as fintechs, também oferecessem vantagens aos clientes. Enquanto isso, varejistas avaliam as margens conquistadas sem as taxas antes cobradas

Escrito por Bruno Cabral , bruno.cabral@diariodonordeste.com.br
Legenda: Mesmo os que entraram no mercado agora avaliam bem a decisão de zerar taxas
Foto: Camila Lima

Nas últimas duas semanas, o mercado brasileiro assistiu a mais um capítulo da chamada "guerra das maquininhas", com grandes operadoras de cartão reduzindo ou zerando taxas para a antecipação de recebíveis, reduzindo custos para os lojistas, que comemoram a disputa e celebram o novo momento. Benefícios ao consumidor ainda não são medidos pelos empresários.

Antes, as empresas de maquininhas levavam até 30 dias para fazer o pagamento de compras feitas no cartão de crédito. Mas no dia 18, a Rede, do Itaú Unibanco, anunciou a decisão de zerar as taxas cobradas para antecipação de vendas à vista no cartão, comprometendo uma fonte de receita relevante de suas concorrentes, como Cielo, Stone, PagSeguro, Getnet e outras.

Se por um lado essa disputa comprime as margens das operadoras, por outro beneficia o comércio varejista num momento de vendas ainda fracas e lenta recuperação da economia. "Essa atitude da Rede favoreceu muito o varejista, que agora pode se capitalizar mais rápido e também pode repassar esse desconto para o consumidor, considerando que cerca de 70% das vendas são feitas no cartão", diz Assis Cavalcante, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Fortaleza.

"Para receber o valor da venda em dois dias, tinha uma taxa de antecipação que podia variar de 1,5% até 5%, a depender do volume. E agora, as concorrentes menores estão tentando acompanhar. Então, o impacto dessa disputa é muito positivo", diz Cavalcante.

Logo após a decisão da Rede, o Banco Safra, da maquininha SafraPay, além de zerar a taxa na antecipação para vendas à vista, zerou para compras parceladas no cartão de crédito. O movimento das duas operadoras foi visto como uma resposta ao movimento da Getnet, do Santander, que pouco antes havia unificado em 2% as taxas cobradas para débito e crédito à vista.

Queixa ao Cade

Com a ameaça de perda nas receitas, a Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag), formada por novas entrantes do mercado de meio de pagamentos eletrônicos, entrou com uma representação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra o Itaú Unibanco, sob a acusação de que a Rede estaria fazendo venda casada e subsídio cruzado, com objetivos predatórios, uma vez que os benefícios estariam restritos aos clientes do banco.

A Rede respondeu que a medida beneficia milhões de clientes "ao isentá-los de uma taxa que impacta de maneira relevante o pequeno e médio negócio, além de posicionar o mercado brasileiro em um patamar mais próximo das práticas internacionais". A operadora disse ainda que não vai alterar os demais preços nem haverá qualquer subsídio para compensar a taxa zerada.

Para Freitas Cordeiro, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado do Ceará (FCDL-CE), é compreensível a reclamação das empresas diante da redução de taxas, uma vez que boa parte de suas receitas vinha da cobrança da antecipação. "O resultado dessas empresas dependia muito disso, e não resta dúvida de que, num primeiro momento, elas serão impactadas. Mas eles não têm como acusar as concorrentes de nada, porque é uma prática comercial que ocorre no mundo inteiro".

Logo após o anúncio da Rede, o valor de mercado de suas concorrentes caiu nas bolsa de valores. A ação da Stone caiu 23,6%, a PagSeguro caiu 9,7% (ambas na Nasdaq), e a Cielo caiu 7,3%, na B3.

Embora considere a "guerra das maquininhas" excelente para o varejo, Cordeiro diz que é preciso estar atento para que a isenção da taxa de antecipação não seja transferida para as taxas de administração. "Agora a gente tem que comemorar, porque é um alento para nós, principalmente no atual momento econômico", ele diz.

"A tendência é que as outras empresas zerem essas taxas, porque não faz sentido a gente pagar um juro de antecipação de um dinheiro que é do lojista. E não acredito que haverá retrocesso".

Fintech cearense

Para Ivan Teófilo, cofundador da credenciadora SifraPag, fintech cearense especializada em meios de pagamento, o aumento da competição beneficia inclusive as novas entrantes, uma vez que estimula o pagamento por meio de cartões. "Com a redução das taxas de antecipação (para recebíveis), diminui o spread para os consumidores, beneficiando toda a cadeia. O mercado esperava muito por isso e a redução das taxas ajuda muito na movimentação do mercado de meios de pagamento", afirma. Teófilo diz que não tem do que reclamar, mesmo entrando no mercado em um momento de disputa intensa. Criada há apenas um ano, a SifraPag é a maior startup do nicho no Estado, com atuação em São Paulo, Recife, Salvador, Natal, Manaus, além de Fortaleza.

"A nossa curva de crescimento tem sido de mais de 100% ao mês. O mercado é tão grande que há espaço para todos", diz. Antiga demanda do setor varejista, a antecipação do pagamento do cartão de crédito para o lojista já havia sido tentada no Ceará, anos atrás, mas sem sucesso.

"Há três anos, eu cheguei a celebrar uma parceria com a Rede para antecipar o pagamento em 15 dias e que o projeto-piloto fosse aqui no Ceará, mas a parte de TI (Tecnologia da Informação) acabou vetando porque isso iria impactar muito o sistema operacional. Mas agora eu fui surpreendido, porque isso era um anseio de todos nós", conta o presidente da FCDL.

Segundo Cordeiro, o principal argumento das empresas para não fazer a antecipação era a de, diferente de países da Europa e dos Estados Unidos, no Brasil era o único lugar onde havia venda no cartão de crédito de forma parcelada. "A gente sabia que era possível fazer, tanto que, diante da concorrência, fizeram. Os pequenos surgiram e começaram a incomodar os grandes, que antes dominavam o mercado. A gente já paga taxa de administração, tem a maquineta, era um absurdo".

Tamanho do mercado

De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços, o setor de pagamento eletrônico no Brasil é responsável por 40% do consumo privado do País, com mais de 50 emissores de cartão, mais de 20 credenciadoras, mais de 10 bandeiras e mais de 200 fintechs e facilitadoras de pagamento. Em 2018, o setor movimentou R$ 1,55 trilhão, 14,5% a mais do que em 2017. Já o número de transações no cartão chegou a 18,8 bilhões no ano passado, alta de 15,5% ante 2017, com isso foram feitas, em média, 35,8 mil transações no cartão por minuto. Para 2019, a Abecs projeta alta entre 15% e 17% no valor transacionado por meio de cartões de crédito, débito e pré-pago.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados