Inadimplentes precisam de planejamento e cuidado para renegociar

Para os consumidores que já estão com dívidas em atraso e querem resolver as pendências, o planejamento é essencial para não reincidir no erro. Termos do acordo também têm de ser analisados para dívida não crescer ainda mais

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.Mesquita@svm.Com.Br

Quando envolve questões relacionadas a dinheiro e a finanças, por vezes a solidariedade pode acabar gerando dor de cabeça para quem precisava de ajuda e, principalmente, para quem se dispôs a ajudar, mesmo que por uma intenção nobre.

A dona de casa Luciana Romualdo, 54, acumulou uma dívida de R$ 67 mil após emprestar o cartão de crédito para uma amiga. "Ela tinha uma gráfica e comprou umas máquinas. Pagava direitinho, mas não deu certo e ela parou de pagar. Eu também não tive condições de pagar e virou essa bola de neve", conta.

Ela detalha que, quando pararam de pagar as parcelas, a dívida estava em menos de R$ 5 mil, valor que subiu para os R$ 67 mil com juros e multas ao longo de quatro anos.

Em mutirão de renegociação de dívidas, Luciana conseguiu um desconto de cerca de 85% e reduziu a dívida a R$ 9 mil, a ser paga em 48 parcelas de R$ 222. "Quem viu (o anúncio do mutirão) foi essa minha amiga e ela me avisou. Foi a oportunidade que vimos de limpar meu nome. Como ela que estava me devendo, ela que ficou naquela fila enorme e tudo", afirma.

Mais comuns neste período de fim de ano, os mutirões podem ser boas oportunidades para os inadimplentes negociarem o valor a pagar. Apesar disso, especialistas orientam por onde começar a reorganizar a vida financeira e alertam sobre pontos para se ficar atento ao fazer um acordo.

Planejamento

A educadora financeira Cíntia Senna aconselha que, antes de realizar qualquer renego-ciação, é necessário fazer uma faxina financeira. Segundo ela, o primeiro passo é reunir a família, não para falar de dívida em um primeiro momento, mas sim de objetivos. "Definidos os planos de curto, médio e longo prazos, tenho que pensar de onde a gente vai tirar os recursos necessários para que esse sonho aconteça, sendo que um deles que é sair da inadimplência. A família tem que estar unida nesse momento para, em conjunto, chegar a uma solução", afirma.

Ela aponta que a solução é identificar quanto e com o que se está sendo gasto durante pelo menos 30 dias. Após esse processo, o inadimplente deve reduzir drasticamente o consumo, em no mínimo 30%, para começar a respirar novamente e ter reserva. A educadora ainda aponta que o ideal é poupar e depois, credor a credor, ir fazendo as renegociações até quitar, de preferência pagando à vista com desconto nos juros.

"Antes de eu sair resolvendo as minhas dívidas, eu tenho que resolver o que eu vou fazer depois. O que acontece com a maioria: os inadimplentes começam a quitar, mas passam dois, três meses, e voltam para a mesma situação. Para que eu não volte, eu tenho que estar muito imbuído dos meus objetivos e tenho que ter esse hábito de poupar parte do que ganho", destaca.

Reincidência

E por falar em cair novamente na inadimplência, a economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, revela que outro erro comum dos inadimplentes é contrair um crédito, normalmente um empréstimo, para pagar outra dívida.

Em outubro, 45% dos pedidos de empréstimos no Ceará foram feitos para o pagamento de dívidas. Segundo levantamento da Lendico, fintech de empréstimo pessoal online, esse é o principal fim das solicitações. Os cearenses ainda têm pedido empréstimos para empreender (32%), adquirir ou reparar casa (8%), comprar duráveis e semiduráveis (6%) e investir em educação (4%).

"Eu atendo consumidores com muita frequência e todos prezam pelo pagamento das dívidas. Mas acredito que há uma fragilidade nesse comportamento, porque quando eles chegam aqui para reconhecer que perderam a condição de administrar já acumularam múltiplas operações com o objetivo de pagar a dívida anterior", ressalta Amorim.

A pesquisa da Lendico ainda revela que, em janeiro, o percentual de empréstimos no Estado para o pagamento de dívidas era de apenas 29%, o que demonstra que os consumidores se endividaram mais ao longo do ano e acabaram recorrendo a empréstimos para reequilibrar suas finanças.

A economista do Idec alerta que, se o acordo envolver parcelamento - que é a saída para boa parte dos consumidores -, há um risco alto. "Consumidor renegociou a dívida, acha que a situação está controlada e volta a consumir sem levar em consideração a importância do equilíbrio e volta para a mesma situação".

Prolongamento

Outro ponto de alerta, segundo Amorim, é o número de parcelas do refinanciamento, que, devido à taxa de juros, pode acabar aumentando a dívida inicial. "Ao fazer a proposta, é importante não buscar só o prolongamento da dívida, que é normalmente o que os bancos mais recomendam. Isso acaba aumentando a dívida, porque quando você junta várias dívidas e projeta um prazo muito longo, por mais que a taxa de juros que venha a ser apresentada seja inferior às anteriores, a exposição longa à taxa faz com que essa dívida cresça", explica.

Ela acrescenta que ao se estender a dívida, é preciso levar em conta o prazo de comprometimento. "Quanto mais tempo eu ficar preso a esse financiamento, mais eu vou ter a minha capacidade de renda reduzida. Então, às vezes, vale mais a pena fazer um planejamento mais ajustado e colocar em menos parcelas".

A possibilidade de utilizar reservas ou de se desfazer de um bem para quitar também é válida, mas fica condicionada ao pagamento à vista. "Se não for para quitar, não recomendo, porque você vai gastar uma reserva e vai continuar tendo uma dívida em andamento", argumenta Amorim.

Outro recurso que as instituições financeiras tentam embutir nas renegociações são os seguros que protegem o banco em casos de uma nova inadimplência. "Muitas vezes, isso é uma imposição do banco ou até está nas letras miúdas do contrato. É preciso ter clareza sobre o que a apólice prevê, porque o primeiro beneficiário é o próprio banco. O consumidor faz uso também quando o contrato cobre a dívida se ele ficar desempregado, por exemplo", alerta.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados