Especialistas apontam prós e contras da proposta de reforma Tributária

Imposto de caráter previdenciário sobre movimentações financeiras, semelhante à CPMF, é visto como positivo se associado à extinção do pagamento de INSS pelas empresas, mas teria caráter regressivo

Escrito por Redação ,
Foto: Ilustração: Benes

Proposta do Governo Federal para reorganizar o sistema tributário do País, que deve ser enviada na próxima semana à Câmara dos Deputados, terá como base um tripé formado por mudanças no Imposto de Renda (IR) da Pessoa Física, na criação de um imposto único sobre consumo e serviços e no retorno de uma contribuição previdenciária sobre movimentações financeiras, algo da "mesma espécie" da extinta CPMF, segundo o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.

Para especialistas, a criação do imposto pode aliviar a carga tributária se o pagamento do INSS for reduzido ou extinto para a iniciativa privada. De fato, segundo Cintra, o Governo prevê incorporar a contribuição previdenciária à proposta para compensar a desoneração da folha de pagamento (tributos sobre os salários que as empresas pagam), reduzindo ou extinguindo o pagamento do INSS pelas empresas.

"Esse imposto vai incidir sobre todo e qualquer pagamento, o que não quer dizer toda transação financeira, que inclui também saques. Para a indústria, não é um imposto bom, porque incide para todas as fases de forma acumulativa, mas se o Governo reduzir o INSS sobre a folha, compensará mais para a indústria", avalia Marco Furtado, diretor do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Ceará (Ibef-CE).

Na opinião de Schubert Machado, diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), não há nada de inconveniente na criação de um imposto para pagamentos, desde que haja reduções em outros tributos.

"Isso pode simplificar a vida das pessoas, já que tudo vai ser controlado pelos bancos. Agora, tem que ter a contrapartida na redução de outros tributos. Isso pode se tornar ruim se for só mais um novo imposto", pondera o jurista.

Já para o conselheiro Lauro Chaves Neto, do Conselho Federal de Economia (Cofecon), o imposto não possui caráter contributivo justo. "É um imposto regressivo. Isso quer dizer que a alíquota vai ser a mesma para quem movimenta R$ 10 mil e R$ 1 milhão. Esse tipo de imposto foge totalmente do princípio de quem tem mais renda teria uma alíquota maior", avalia.

Na última sexta-feira (9), o presidente Jair Bolsonaro se esquivou quando lhe foi perguntado se concordava com a criação de um tributo análogo à CPMF. "Já falei que não existe CPMF. O que ele (Marcos Cintra) quer mexer, é tudo proposta. Não vai depois dizer lá na frente que eu recuei. Tudo é proposta", disse.

Unificação de impostos

A proposta do Governo é criar um imposto federal para unificar alguns tributos de competência da União, como o PIS, Cofins, IPI, e parte do IOF não regulatória por meio do chamado Imposto Sobre Valor Agregado (IVA).

Machado avalia que a ideia de unificar impostos que incidem sobre a produção e consumo no País para simplificar a carga tributária pode ocasionar problemas maiores.

"Na tentativa de criar uma nova estrutura para tributar todos os bens e serviços da economia brasileira, a proposta mantém a participação de estados e municípios para regularem suas alíquotas. Com isso, um novo órgão iria receber esses valores e repartir o valor arrecadado. E isso cria uma situação totalmente complexa. Na minha visão, isso poderia potencializar uma guerra fiscal no País", comenta.

Em contrapartida, Lauro Chaves Neto aponta que a nova ideia da equipe econômica pode beneficiar os municípios do Ceará, em vez da União, que é a mais beneficiada com o sistema atual.

"Teremos a oportunidade de discutir o Pacto Federativo. No Brasil, nós temos a concentração de recursos na União e no Estado. Nos países desenvolvidos, eles descentralizam e a maior parte da carga vai para municípios. Isso traria o benefício para mais de cinco mil municípios do Brasil. É mais fácil elaborar as políticas públicas se elas forem elaboradas localmente", aponta.

Imposto de Renda

A proposta do Governo ainda prevê corrigir pela inflação a faixa inferior de isenção do IR (hoje em R$ 1.903,98 mensais), cortar linearmente as alíquotas de todas as faixas de renda e, em contrapartida, acabar com as deduções, como de despesas médicas e gastos com educação, que custam R$ 20 bilhões por ano, segundo dados da Receita.

Entre as mudanças apresentadas, Machado avalia que a proposta de diminuir a alíquota de 27,5% para faixas de renda que ganhem acima de R$ 4.664,68 é um ponto positivo.

"Quem ganha esse valor não tem renda. É o mínimo existencial para sobreviver. A nossa tabela está inteiramente distorcida. Eles têm que ver essas faixas de renda e jogar as alíquotas para valores mais elevados".

O diretor do Icet também destaca que os dois projetos que estão sendo debatidos no âmbito da reforma tributária- a do Governo e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, que tramita na Câmara - não levam em consideração a situação das classes mais baixas.

"Não vi nenhuma emenda constitucional para mudar o nosso sistema tributário, no sentido de cobrar mais de quem ganha mais".

A intenção de acabar com as deduções de gastos com saúde e educação também gera divergências. Machado avalia que a extinção das deduções pode ser prejudicial aos contribuintes, uma vez que essa medida não é "um favor" do Governo, mas uma contrapartida à falta de serviços de qualidade prestados nas áreas de Educação e de Saúde.

"O Governo tem obrigação de oferecer esses dois aspectos ao cidadão. Já que não oferece isso, possibilita a alternativa de deduzir os gastos. Essa proposta pode ser um pretexto para tentar evitar fraudes, mas isso é uma outra questão. Eu acho que está havendo um jogo para aumentar a tributação disfarçadamente a título de reduzir as deduções de quem mais precisa", afirma.

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