Endividamento exige atenção e pode ser benéfico ao consumidor

Saber o quanto deve gastar é o desafio diário dos cearenses, que precisam estar atentos sobre o percentual de comprometimento do orçamento familiar. Comprar mais e pagar em dia também torna o cliente mais valorizado

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br

Com as despesas mensais concentradas no cartão de crédito, o empresário Lucas Cerqueira pode ser considerado um exemplo de endividado. Sim, porque, diferente do que induz o senso comum, o conceito de endividamento não necessariamente é uma coisa ruim. Pelo contrário, em alguns casos, ter muitas dívidas pode ser um bom sinal.

Como explica a diretora institucional da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Ceará (Fecomércio-CE), Cláudia Brilhante, endividado é toda pessoa que possui alguma conta a pagar, incluindo de água, energia elétrica, etc. "Ou seja, todos nós. Mas isso não quer dizer que nós sejamos inadimplentes, que é a pessoa que provavelmente perdeu o emprego, atrasa o pagamento de alguma conta por um período de três a seis meses e não tem como pagar", explica.

Ela acrescenta que endividado tem a dívida, mas está empregado e, no fim do mês, paga as contas no prazo. Em novembro, dado mais recente divulgado pela Fecomércio, 63,8% dos consumidores da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) estavam endividados - 0,8 ponto percentual a mais que em outubro. Já o índice de inadimplência atingia 10,1%, maior nível desde abril, quando chegou a 12,7%.

Organização

Lucas aponta que utiliza uma planilha de Excel para organizar o caixa, além de concentrar as compras no cartão de crédito por considerar o acompanhamento mais fácil. "Tem muita gente que utiliza aplicativos, mas eu acho a planilha mais funcional. Por causa da minha empresa, recebo meu salário de forma espaçada ao longo do mês. Então, pra mim, comprar com cartão de crédito e pagar tudo de uma vez é melhor", relata.

O cartão de crédito ainda é o meio de pagamento a prazo mais utilizado na RMF, segundo a Fecomércio. Cerca de 76,3% dos consumidores admitem utilizá-lo para gastos com alimentação (47,1%), aluguel (17,2%), educação (12,4%), tratamento de saúde (10,3%) e vestuário (9,5%).

Além do cartão, também são populares os financiamentos (15,8%), empréstimo pessoal (8,1%) e carnês de lojas (7,7%). Cláudia Brilhante ressalta que um dos erros mais comuns dos consumidores é comprar alimentação no cartão. "Porque você vai ao supermercado várias vezes ao mês e acabam sempre parcelando, de forma que uma parcela soma com a outra e se perde a noção de quanto a fatura realmente vai dar no fim do mês", alerta a diretora.

Comprometimento

Outro índice para se ficar atento é quanto da renda familiar é destinada ao pagamento das dívidas mensalmente. Em novembro, o percentual dos rendimentos das famílias comprometidos foi de 39,7%, mesmo patamar que o índice de outubro. Cláudia esclarece que o ideal é que essa porcentagem gire em torno de 25% a 30%.

"Esse comprometimento alto acontece principalmente porque o consumidor ainda compra muito por impulso. Nós tivemos um exemplo claro agora com a Black Friday. Sem dúvida nenhuma, o comércio teve vendas excelentes, mas muita gente vai naquele impulso, vê na loja e nem está precisando, mas está com um bom preço e vem logo o sentimento de que precisa comprar", aponta.

Ela orienta que resistir a esses impulsos é algo que precisa ser fortalecido. "O consumidor tem que ter esse pensamento muito forte, porque quando ele compra por impulso compromete a renda familiar. E uma renda familiar comprometida pode te levar a ser um potencial inadimplente", destaca Cláudia.

Acesso ao crédito

Uma das consequências da inadimplência é o nome do consumidor cair nos cadastros negativos - que indicam os maus pagadores - e ter uma restrição de acesso ao crédito. No sentido contrário, foi criado um cadastro dos bons pagadores, o chamado Cadastro Positivo. A educadora financeira Cíntia Senna diz que, do ponto de vista do consumidor, a iniciativa é benéfica.

"Quem já tem acesso a crédito e usa de forma consciente vai ter maiores facilidades na hora de adquirir um crédito. O que a gente tem sempre que pensar é que o crédito, o limite e o sistema como um todo não é ruim. O ruim é a forma errada de utilizar o sistema. Então, a gente precisa aprender e saber usar", afirma.

Para quem está inadimplente, mas em processo de quitação de dívidas e acha que terá prejuízos pelo nome constar no histórico de atraso de um débito, Cíntia tranquiliza e esclarece que, quando as instituições virem que o consumidor está pagando e com uma boa relação com o comércio, passará a oferecer novas possibilidades. "Então, quem está inadimplente e consegue se restabelecer, é temporária essa condição de ter uma limitação de crédito. E por um lado é até bom, porque ela está nesse processo de reeducação, que não é temporário, mas constante. Com tempo, ela vai conseguir, sim, financiar uma casa, um carro, com boas taxas", observa.

A educadora financeira ainda compara o processo aos índices que medem o risco de investimento nos países. "Nosso País, nossas empresas são avaliados também pelo score, que define qual o risco do país para o investidor. Em algum momento, ele (score) estava lá embaixo quando a Selic estava a 14% e, agora, com a taxa de juros a 5%, o investidor vai enxergar a gente diferente. Assim é a mesma coisa com o consumidor", aponta.

O assessor jurídico do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon) no Ceará, Ismael Braz, lembra que, na época da elaboração do Cadastro Positivo, muitas instituições de defesa do consumidor relutaram diante do compartilhamento das informações das pessoas, e as empresas passaram a realizar propagandas abusivas. "Mas ampliou-se o sistema de bloqueio a marketing por e-mail e telefone. Além disso, acrescentou-se ao Cadastro a possibilidade de o consumidor solicitar a retirada de suas informações", afirma.

Ele ainda ressalta que, ao negar uma solicitação de crédito, as empresas precisam de uma justificativa e que o consumidor pode ter acesso a essas razões. "A pessoa ter sido inadimplente em algum momento da vida não é uma justificativa plausível. Além disso, qualquer problematização que o consumidor tiver em relação ao Cadastro pode procurar os órgãos de defesa, que nós iremos orientar e instaurar procedimento administrativo, caso necessário".

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