Domésticos cearenses ganham a quarta pior remuneração do País

Enquanto a média nacional para a categoria é R$ 909, os trabalhadores do segmento no Estado recebem apenas R$ 584. O valor pode aumentar ou diminuir ainda mais se o empregado tiver ou não carteira assinada

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@diariodonordeste.com.br
Legenda: A mudança de mensalista para diarista tornou a rotina dos empregados domésticos mais desgastante

Brenda Barbosa (35) teve o primeiro contato com o serviço doméstico como fonte de renda aos 12 anos, quando foi para casa de família ser babá. Atuando como diarista há quatro anos, ela conta já ter trabalhado como empregada doméstica formal e como recepcionista, mas se identifica mesmo é com os afazeres domésticos. 

Sem cadastro de microempreendedora individual (MEI), Brenda faz parte dos 245 mil trabalhadores da categoria que estão na informalidade no Ceará. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os empregados da classe com carteira assinada no Estado chegam a ganhar, em média, mais que o dobro daqueles que não possuem a carteira assinada. 

No primeiro trimestre deste ano, a média cearense de rendimentos dos ocupados no serviço doméstico ficou em R$ 584. Quando o trabalhador se encontra na formalidade, a remuneração média sobe para R$ 1.059, enquanto fica em R$ 507 para os informais. A média estadual é ainda a quarta pior do País para o segmento, ficando atrás somente dos vizinhos Bahia (R$ 561), Maranhão (R$ 539) e Piauí (R$ 513).

Apesar dos números mostrarem o contrário, Brenda revela que prefere trabalhar como diarista que como mensalista formalizada, porque assim consegue “ganhar mais do que somente um salário mínimo” que a pagariam com carteira assinada. Ela revela que cobra R$ 100 por diária. “Tenho clientes a semana toda. E como diarista, eu recebo o pagamento no final de cada dia. Como mensalista, em um lugar só, receberia só a cada 15 dias”, argumenta. 

Confiança

Brenda conta que tem quatro clientes fixas, fora as esporádicas. “Tenho uma patroa que as filhas dela já cresceram, casaram e hoje são minhas clientes também. Preferem a mim, porque já me conhecem, podem sair e deixar a casa sozinha comigo”, afirma. 

O presidente do Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, aponta que um dos pilares fundamentais para a profissão é a confiança. “A confiança é importante em qualquer área, mas no serviço doméstico é ainda mais, porque o empregador coloca o funcionário dentro da própria casa. Qualquer arranhão nessa confiança, já causa a demissão”. 

Avelino acrescenta que muitos dos trabalhadores domésticos preferem não ter a carteira assinada por medo de perder benefícios sociais, como o Bolsa Família. “Depois da aprovação da PEC das Domésticas em 2015, isso mudou um pouco, porque os direitos garantidos passaram a valer mais a pena do que as políticas assistencialistas”. 

Precarização

O presidente ainda comenta que a rotina da diarista é mais precária do que a da mensalista. “Antes (como mensalista), ela tinha a semana inteira para dar conta do trabalho. Quando passa a ser diarista, tem que fazer as tarefas da semana em um ou dois dias”. 

O analista técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconô-micos (Dieese), Reginaldo Aguiar, relembra que a maioria dos trabalhos de serviço doméstico são realizados sem registro algum. “Essa alta informalidade faz com que a taxa de desocupação do Estado diminua, porque as pessoas estão exercendo alguma atividade, mas, na maioria das vezes, são formas precárias, com salários baixíssimos”. 

Subdesenvolvimento

Ele acrescenta que a combinação entre a crise, desemprego e baixos salários fomenta o subdesenvolvimento econômico e tecnológico. “As pessoas acabam se sujeitando a cargos e remunerações abaixo do compatível para a qualificação delas para não ficarem sem renda. Muitas vezes, os empregadores se aproveitam dessa condição e exploram a mão de obra por saber que dá resultados”, dispara. 

Aguiar ainda pontua que, por conta dos baixos salários, é comum ver empregados domésticos exercendo alguma atividade secundária para complementar a renda.

“A diarista passa o dia na casa dos patrões e quando chega, coloca uma mesa na frente de casa e vai vender pratinho, salgado, no fim de semana pega algum trabalho extra em buffet. Situações desse tipo são as portas de entrada para a indigência e para a delinquência. E são a cara do Ceará”. 

O analista do Dieese puxa da memória que, décadas atrás, era muito comum ver levas de pessoas vindo do interior para a Capital para trabalhar em casas de família cuidando dos serviços domésticos. “Ao longo do tempo, foram surgindo políticas que conseguiram manter as pessoas em suas cidades com mais dignidade. Mas se continuarmos do jeito que está, logo veremos esses bolsões de pobreza novamente”.

Fiscalização

A dificuldade em realizar a fiscalização é um dos pontos que o analista de Mercado de Trabalho do Sistema Nacional de Emprego do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (Sine/IDT), Erle Mesquita, lembra que torna mais complexo o processo de tentar inibir a informalidade observada. 

“O serviço é na casa da pessoa. A fiscalização não tem como saber quais casas contam com empregados domésticos e ir a todas elas, além de não poder entrar sem permissão. É diferente de uma indústria, por exemplo, em que é possível chegar a qualquer hora e verificar se os trabalhadores estão formais”, afirma.
 

Ele detalha que, na maioria dos casos, a Superintendência Regional do Trabalho (SRT), que é quem realiza a fiscalização, só toma conhecimento do empregado doméstico sem carteira assinada quando o vínculo com empregador é rompido e as partes não chegam a um acordo. 

“Então, o empregado procura a Superintendência ou mesmo entra na Justiça para tentar garantir seus direitos. É um processo histórico de desigualdade que existe sobre essa classe e que impede de haver uma valorização desse tipo de ofício”, aponta.

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