Discussões estratégicas sobre Mudanças Climáticas

Escrito por Redação ,

Reunidas em Doha, capital do Qatar, aproximadamente 200 lideranças tentam um novo acordo

No Estado do Ceará, as perdas de safra foram significativas neste 2012 Fotos: Kid Júnior

Neste 2012, as secas atingiram várias partes dos Estados Unidos, Rússia, Europa, China e também do Brasil. O ano já é considerado um dos mais quentes desde que as medições começaram, na segunda metade do século XIX, mesmo com a ocorrência do fenômeno La Niña, responsável pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico, segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO).

Além das secas, o aumento na frequência de outros fenômenos climáticos extremos - previsto pelos cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) - vem se confirmando, a exemplo da Supertempestade Sandy, que atingiu o Caribe e os Estados Unidos.

É exatamente neste contexto que termina depois de amanhã, 7 de dezembro, a 18 ª Sessão da Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), a COP-18, e a Conferência das Partes servindo como Reunião das Partes do Protocolo de Kyoto (CMP), no Centro Nacional de Convenções do Qatar, na capital, Doha.

O Semiárido brasileiro - que envolve oito dos nove Estados do Nordeste, à exceção do Maranhão, e mais o Norte de Minas Gerais -, em particular, enfrentou, neste 2112, a pior seca em 30/40 anos, segundo os meteorologistas que monitoram as condições climáticas da região, o que pode agravar os quadros de desertificação em curso.

Adaptação

"Se olharmos a governança como uma variedade de sistemas sociais, políticos, econômicos e administrativos que estão relacionados à água, e a boa governança como aquela que inclui os compromissos acordados, a ética, entre outros aspectos, o Brasil é um dos poucos países que conseguiu implementar, até certo ponto, a boa governança através da nova Lei das Águas, destaca, por outro lado, o presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) Eduardo Martins, diante de um quadro de relativa segurança hídrica, mesmo com um período chuvoso tão fraco.

Ele ressalta, entretanto, que "a busca da boa governança deve ser contínua, dada a dinâmica dos sistemas que a compõem, e, além disto, manter a referência local para que não haja a perda de incentivos por parte dos atores locais". E acrescenta: "apesar de, ao mencionarmos os impactos das mudanças de clima, estamos interessados geralmente nas mudanças e seus impactos daqui a 50, 100 anos, deve-se ter em mente que a adaptação, no contexto das águas, ou a boa governança hídrica, deve ser buscada continuamente. A adaptação deve acontecer localmente e hoje. Buscar a adaptação para as condições atuais nos prepara para o futuro".

Desafios

Voltando às discussões de Doha, essa fase decisiva ainda está cercada de incertezas quanto ao seu objetivo central, de estabelecer uma extensão para o Protocolo de Kyoto. A secretária-executiva do evento, Christiana Figueres, admitiu que muito ficará de fora. "O que vier de Doha não será no nível de ambição que precisamos", resume.

Na COP-15, realizada em Copenhague, em 2009, os países concordaram com um pacto global de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) englobando nações ricas e pobres. O acordo, porém, aguarda 2015 para definição e só deve entrar em vigor até 2020.

Para não deixar o mundo sem nenhum tratado de proteção climática, as partes optaram pelo prolongamento do Protocolo de Kyoto, que oficialmente deixa de valer no dia 31 de dezembro deste 2012. Para a COP-18 ficaram as decisões de até quando essa extensão de Kyoto vai e do quanto será reduzido em emissões nesta nova fase.

Quando foi criado, em 1997, o Protocolo de Kyoto comprometeu as nações desenvolvidas a reduzir suas emissões em 5,2%, entre 2008 e 2012, em comparação com os níveis de 1990. Só os Estados Unidos não ratificaram o pacto, e nações em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, que hoje respondem por boa parte das emissões mundiais, não tinham metas imediatas.

Neste momento, só a União Europeia e a Austrália, responsáveis por aproximadamente 15% das emissões globais de carbono, concordam em participar do "Kyotinho", como já é conhecido nos bastidores. A maior oposição está na Rússia, Polônia e Ucrânia, países que emitiram menos do que poderiam na primeira fase de Kyoto e agora querem levar essas sobras no potencial de emissões, o chamado "hot air", para a segunda fase do acordo, o que desagrada a muitos negociadores. Já o Canadá e o Japão, que participaram da primeira etapa, já avisaram que não vão aderir ao novo período.

Essa extensão das metas de Kyoto é importante na construção do futuro pacto global para redução das emissões de GEE. O temor é que um fracasso na negociação influencie o acordo, ameaçado pela prioridade dada à crise econômica mundial.

O anfitrião

O país sede da COP-18 tem a maior pegada de carbono do mundo, mas é um dos mais afetados pelas mudanças climáticas, já que está no nível do mar. E também tem investido em fontes renováveis para reduzir a dependência do petróleo e do gás.

FIQUE POR DENTRO

Pontos a serem acertados

Ratificação de um segundo período de comprometimento com o Protocolo de Kyoto, sem incorporar créditos de carbono excedentes da primeira fase para assegurar redução real.

Obter compromissos compatíveis de redução nas emissões dos países desenvolvidos que não participam do Protocolo, notadamente os Estados Unidos, que nunca participaram.

Ampliar o número de países em desenvolvimento com metas voluntárias de redução nas emissões, especialmente o Qatar, país anfitrião da COP e que pode ser um exemplo para as nações árabes produtoras de petróleo.

Concordar que o pico das emissões somadas de todos os países deve ocorrer até 2015, o que implica em metas de redução mais ambiciosas, especialmente para países industrializados, a curto prazo.

Criar um fundo de curto prazo, entre 2013 e 2015, que permita aos países em desenvolvimento implantar ações de adaptação e mitigação que contribuam para a redução das emissões e para o aumento de sua resiliência às mudanças climáticas que já estão acontecendo.

Avançar no desenvolvimento de fontes inovadoras de financiamento público para mitigação das emissões e apoio às ações de adaptação às mudanças do clima e concordar com processos e critérios que assegurem a adequação de compromissos financeiros.

Operacionalizar o Fundo Verde do Clima, o Standing Committee, o registro de Ações Nacionais Adequadas de Mitigação, o Comitê de Adaptação, o Comitê Executivo de Tecnologia e o Centro e Rede de Tecnologia Climática.

Fonte: Vitae Civilis

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Ações necessárias e urgentes

Alexandre Araújo Costa
Prof. da Uece e Dr. em Ciências Atmosféricas

Há vários anos, já existiam evidências de que o Planeta está aquecendo e de que isto se deve ao acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, principalmente CO2, produzidos por atividades humanas, sendo a principal destas a queima de combustíveis fósseis. Hoje, há evidências de que o ritmo das mudanças climáticas é mais acelerado do que se imaginava.

2012 foi um ano de extremos e do aparecimento de novos impactos perigosos das mudanças profundas no ambiente terrestre. Em sequência, secas recorde, incêndios florestais atípicos associados a ondas de calor de grande intensidade, e tempestades severas, com impactos imensos têm ocorrido. A área coberta por gelo no Ártico atingiu o menor valor desde que começou a ser monitorado. Os oceanos têm-se tornado ácidos, com a dissolução do CO2, já provocando efeitos visíveis sobre corais e sobre populações de organismos do plâncton e pequenos moluscos que estão na base da cadeia alimentar, com riscos de profundo desequilíbrio no ecossistema marinho. Isoladamente, até se poderia pensar que tais eventos não fizessem parte de um processo global, mas tomando-os em conjunto, não restam mais dúvidas de suas causas e da gravidade.

A saída para essa crise que aflige a nós, seres humanos, de maneira desigual (países insulares, povos tradicionais, populações mais pobres nas cidades e no campo sofrem mais com os impactos), é deter a escalada das emissões. A substituição do petróleo e do carvão como fontes de energia, a priorização do transporte coletivo, a reversão dos desmatamentos e o fim das queimadas, o uso comedido dos recursos naturais, a reciclagem e o combate ao consumismo estão na ordem do dia.

Infelizmente, ao contrário do que a ciência claramente estabelece, grande parte dos governos nacionais é tomado pela inércia e as negociações na COP-18, no Qatar, refletem isso. Falam de "passinhos de bebê", numa referência metafórica a pequenos avanços. O problema aí é o descompasso: diante de nossos olhos, o clima está se alterando a passos largos.

MARISTELA CRISPIM
EDITORA DE REPORTAGEM

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