Diferença entre salários do setor público e privado cresce na crise

Disparidade entre rendimentos de trabalhadores aumentou de 2016 a 2018, no Ceará, mas cedeu nos últimos meses. Para especialistas, diferença reflete piora das condições de trabalho de empregados da iniciativa privada no período

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@diariodonordeste.com.br
Legenda: O Governo discute a criação de cobranças maiores para quem tem salários mais altos no país

Os rendimentos mais altos dos servidores públicos em relação aos ganhos dos trabalhadores da iniciativa privada não são novidade. Porém, durante os anos de crise, essa diferença se ampliou. Desde o primeiro trimestre de 2017, essa disparidade sofreu altas por cinco trimestres seguidos. Nos últimos três, contudo, a distância reduziu levemente. 

No primeiro trimestre de 2019, o rendimento mensal médio do serviço público no Ceará chegou a R$ 2.995, mais do que o dobro do observado no setor privado (R$ 1.283), segundo dados levantados pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares, com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A distância entre os salários médios do setor público e privado foi a menor no primeiro trimestre de 2014, quando os servidores ganhavam, em média, R$ 1.722 e os trabalhadores da iniciativa privada, R$ 953 – uma diferença de R$ 769, a menor da série histórica iniciada em 2012. O valor é 122% menor que a diferença de hoje (R$ 1.712). Já o pico da disparidade foi observado no segundo trimestre de 2018, quando a discrepância atingiu R$ 1.790. À época, os servidores ganhavam R$ 3.041 enquanto que os trabalhadores do setor privado, R$ 1.251.

De acordo com o supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Reginaldo Aguiar, essa diferença já era esperada. “Os trabalhadores do setor privado têm sofrido uma série de ataques com relação à cobertura social que está piorando essas diferenças. A grande questão não é nem que o trabalhador do setor público ganhe muito, e sim que o trabalhador do setor privado está tendo suas relações de trabalho agredidas, de forma a corroer a média salarial”, aponta.

Reforma Trabalhista

Reginaldo afirma que algumas mudanças proporcionadas pela reforma Trabalhista têm feito com que os vínculos formais fiquem mais precarizados, como trabalho intermitente, terceirização, uso de banco de horas, remuneração variável, entre outros. “Com a elevada taxa de desemprego que temos tido, a concorrência pela mesma vaga aumentou muito. Os candidatos que não conseguiram uma recolo-cação, acabaram aceitando trabalhos sem carteira assinada, o que também contribui para a redução da média salarial da iniciativa privada”. 

Fora isso, Aguiar ainda aponta que os menores salários devem forçar mais membros da mesma família a entrarem no mercado de trabalho.

“No passado, os pais trabalhavam e conseguiam permitir que os filhos apenas estudassem até terminar a faculdade. Hoje, há a necessidade de mais membros da família trabalharem. A extensão das horas trabalhadas é outra consequência observada”. 

Supersalários

Mas nem todos os servidores públicos ganham mais do que o dobro dos empregados em empresas da iniciativa privada. É o que explica o coordenador de estudo e análise de mercado do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), Erle Mesquita. “A média é uma variável complicada de se trabalhar, porque ela sofre influência dos valores extremos que alguns cargos recebem como salários. Então, não é possível dizer que todo servidor ganha valores muito superiores ao restante dos trabalhadores”, esclarece. 

Confirmando a premissa do porta-voz do IDT, o Núcleo de Dados do SVM constatou, a partir de informações do Portal da Transparência do Ceará, que há servidores ativos do Estado que receberam R$ 46.096,83 em fevereiro. 

Erle pontua que os servidores ganham mais, de um modo em geral, pela possibilidade de constituírem carreira dentro do serviço público. “Pela própria estabilidade em permanecer no posto que ocupam, essas pessoas conseguem subir de cargo. Inclusive, o setor público tem planos de progressão de salário muito bem definidos conforme a escolaridade, por exemplo. À medida que você conclui uma especialização, um mestrado, seu rendimento aumenta. Na iniciativa privada, nem sempre isso acontece, embora os trabalhadores procurem se capacitar”, destaca.

Substituição 

Uma estratégia utilizada pela iniciativa privada para reduzir os gastos com pessoal, segundo Mesquita, é a substituição da mão de obra mais experiente por uma ingressante no mercado.

“Um funcionário não pode ter seu salário reduzido numa mesma empresa. Mas, na prática, observamos muito é a substituição de um trabalhador mais velho, que já está chegando a um patamar salarial mais elevado, por um jovem, ingressante, que aceita começar por um salário bem mais baixo”, avalia. 

Defasagem 

Um aspecto transversal tanto ao setor público quanto ao privado é a defasagem no reajustes. Reginaldo Aguiar destaca que as campanhas salariais têm conseguido reajustes bem inferiores à alta dos alimentos, por exemplo, que é a parte mais significativa da cesta de compra dos cearenses. 

“Muitos sindicatos têm tentado minimizar os efeitos da reforma Trabalhista, prestando alguma assessoria na hora da rescisão, implantando mecanismo de controle de jornada. Como muito dos esforços têm sido concentrados nisso, os reajustes foram menores”.

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