Com reforma, guerra fiscal dará lugar à "guerra por consumo"

A tributação sobre consumo, hoje recolhida na origem, passaria a ser feita no destino, conforme prevê a PEC 45/19, que trata da reforma tributária. A transferência acabaria com os incentivos fiscais dos estados

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.Mesquita@diariodonordeste.Com.Br
Legenda: Santi sugere que o Nordeste passe a focar em outros setores, em vez de disputar espaço com o Sudeste pela grande indústria.
Foto: FOTO: HONORIO BARBOSA

A transferência da tributação sobre a origem dos produtos - onde são fabricados - para o destino deles, sugerida pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, pode dar lugar a uma "guerra pelo consumo" ao mesmo tempo em que daria fim à guerra fiscal entre os estados. A avaliação é de Eurico de Santi, professor e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), um dos autores da proposta de reforma tributária em curso na Câmara dos Deputados.

Conforme o texto da reforma que tramita na Casa, a tributação sobre o consumo passaria a acontecer no local de destino do produto e não mais na origem, que hoje se concentra nas regiões Sudeste e Sul, mais industrializadas. "Com essa mudança, a guerra fiscal e os incentivos já se extinguem. As grandes empresas instaladas no Ceará, como a Grendene, já têm toda a estrutura instalada aqui, a tecnologia. É improvável que elas saiam para o Sudeste", explica Santi.

Sobre a atratividade de novas empresas para o Estado, ele sugere outros segmentos no lugar das montadoras e indústria calçadista. "Talvez indústria do setor de serviços, do turismo, sejam mais vantajosas para o Ceará e o Nordeste do que ficar disputando espaço com o Sul e Sudeste. E são mais compatíveis com a base econômica daqui".

Protagonismo estadual

A unificação dos tributos em um único Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) e o seu nivelamento para todos os estados foi criticada em carta elaborada pelos secretários de Fazenda e apresentada pelo Conselho de Secretários de Fazenda (Consefaz). Entre alterações ao texto propostas por eles está a da preservação da autonomia dos estados para definir as próprias alíquotas.

"Existiria um patamar mínimo (da alíquota) que deverá ser cumprido. E, com a transferência da tributação da origem para o destino, o que aconteceria seria uma possível guerra pelo consumo. Mas não acreditamos que haveria uma migração de consumidores daqui para Pernambuco, por exemplo, por causa de 2%. Isso poderá ser visto mais em situações de fronteira, mas são muito pouco representativos", esclarece a secretária da Fazenda do Ceará, Fernanda Pacobahyba.

Maior arrecadação

Com a mudança, estados majoritariamente consumidores em vez de produtores, como o Ceará, veriam sua arrecadação crescer. No entanto, para compensar a perda, a diferença da arrecadação seria compartilhada entre as unidades da federação. "A receita seria compartilhada durante um período de transição que estimamos em 20 anos. Para estados do Norte e Nordeste, é favorável que esse período seja mais curto. Estamos analisando possibilidade para abreviá-lo", aponta Eurico de Santi.

O secretário de Planejamento e Gestão do Estado, Mauro Filho, diz-se preocupado com essa divisão. "Eu achava que finalmente iríamos ter um ganho considerável na arrecadação. Hoje vi que não, que ainda manteremos essa desigualdade por 20 anos", ressalta.

O secretário ainda critica a inclusão da tributação apenas sobre o consumo na proposta, deixando de fora outros aspectos. "Nós temos arrecadação sobre renda, folha de pagamento, propriedade, bens e serviços. A população mais pobre destina seus recursos a bens e serviços, então, proporcionalmente, pagam mais impostos que os mais ricos. Limitar a reforma a esse aspecto é um erro", aponta o secretário.

Ele acrescenta que, enquanto há forte incidência de taxação sobre a compra de um veículo através do IPVA, por exemplo, quem compra um barco não paga o tributo.

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