Armadilhas podem gerar compras por impulso e endividamento

Propagandas abusivas e emboscadas do sistema financeiro criam ambiente propício ao elevado endividamento, também impulsionado por desequilíbrios emocionais. Solução é educação financeira e autoconhecimento

Escrito por Carolina Mesquita/Ingrid Coelho , negocios@verdesmares.com.br
Legenda: Entre algumas práticas consideradas abusivas do sistema financeiro está o de tirar proveito de uma situação de fragilidade do consumidor

Para além de controlar as finanças e manter o hábito de poupar parte dos rendimentos, os consumidores ainda precisam se blindar contra campanhas publicitárias incisivas para manter a vida financeira saudável. Estímulos ao consumo disparados a todo instante criam um ambiente propício que pode levar, mesmo que inconscientemente, a compras por impulso que desorganizam o orçamento.

O economista Ricardo Coimbra aponta que o assédio não é uma prática restrita às financeiras, que liberam operações de crédito, mas também do comércio como um todo. “O estímulo ao consumo é muito grande. As agências de publicidade estão sempre tentando gerar uma necessidade, um desejo de consumo iminente para os indivíduos. Isso sempre ocorre de forma continuada, porque as empresas querem aumentar suas vendas e isso é jogado de forma que a possibilidade de captação de crédito se junta com o desejo de consumir”, explica.

Coimbra alerta que se o indivíduo não conseguir discernir o desejo de consumo da capacidade efetiva de compra, vai ficar em um processo contínuo de endividamento e de inadimplência.

“É um processo de educação. As pessoas têm que se educar financeiramente para que consigam saber efetivamente o que querem e o que podem fazer no seu dia a dia, porque muitas vezes as pessoas têm desejos, mas não têm a capacidade de pagar por eles. E essa relação é que é conflitante. Toda vez que o indivíduo for consumir ele tem que saber: ‘eu preciso, efetivamente, daquilo?’ E depois que ele descobre se precisa ou não, se perguntar ‘Eu posso ou não pagar por aquilo?’”, analisa o economista.

Emocional

Mas o descontrole financeiro também pode ser desencadeado por outros fatores, entre eles desequilíbrios emocionais. De acordo com o psicólogo clínico Leonardo Martins, a compra compulsiva é um sintoma característico de vários quadros ou transtornos psicológicos diferentes. Ele pondera que, muitas vezes, a impulsividade acontece e somente ao sair da crise o indivíduo percebe o que fez e passa a sentir culpa e arrependimento por não ter conseguido controlá-la. A repetição desse hábito pode complicar a situação financeira das pessoas.

“Eu costumo dizer que quanto mais consciente da sua ação, do seu comportamento, mais você tem a oportunidade de discernir o que você está fazendo e as conse-quências dessa ação. (A dica) é você estar sempre em alerta, sempre atento, se policiando e se questionando”, orienta.

Sistema financeiro

Entre algumas práticas consideradas abusivas do sistema financeiro está o de tirar proveito de uma situação de fragilidade do consumidor. “O consumidor que já está inadimplente, por exemplo, ele até consegue algum crédito, há linhas para negativados, mas a juros altíssimos, que não vão ajudá-lo a sair da inadimplência. Pelo contrário, isso é mais um elemento que vai fazer com que ele retorne para a situação de endividamento”, esclarece a economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim.

Um dos públicos mais atingidos por esse tipo de assédio são os idosos, principalmente com crédito consignado, que retira a parcela automaticamente do benefício recebido pelos clientes e dá mais segurança às instituições, conforme aponta o presidente da Comissão de Direito do Trabalhador da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Ceará, Thiago Fujita. 

“Elas (financeiras) multiplicam os empréstimos consignados e prejudicam o consumidor idoso. A gente realmente vê isso acontecer e acho que é uma das faixas etárias que mais sofre. Muitas vezes, na entrada de órgãos, próximo ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o consumidor idoso acaba cedendo a fazer alguns empréstimos e temos visto isto como um problema seriíssimo”, aponta Fujita. 

Ele acrescenta que, primeiramente, essa situação gera um endividamento que o idoso não tem condições de cumprir, podendo até comprometer quase todo o benefício em alguns casos. “E também tem a questão da saúde, de depressão, de uma série de situações que o idoso entra por conta de não conseguir arcar com essa obrigação”, lembra.
Para reverter esse cenário, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) criaram a autorregulação do crédito consignado, que entrará em vigor em janeiro. A iniciativa tem três objetivos: criar um sistema de bloqueio de ligações para quem não quer receber as ofertas; formar uma base de dados para monitorar reclamações; e estabelecer medidas de transparência, combate ao assédio comercial e qualificação de correspondentes.

Apesar disso, Coimbra pondera que mesmo havendo uma preocupação de algumas instituições para melhorar o atendimento e a oferta de produtos e serviços, as empresas individualmente estão interessadas apenas em ver seus resultados crescerem. 

“Isso (autorregulação) gera a perspectiva de que, à médio e longo prazo, a gente tenha um crédito mais saudável e taxas de juros mais baixas. O crédito consignado está caro, o cheque especial também. Isso só vai cair de forma significativa se reduzir a inadimplência. O Cadastro Positivo e a autorre-gulação do Governo ou das próprias instituições financeiras vêm para ter um crédito que gire mais e empaque menos na movimentação financeira, de forma que todo mundo ganhe, porque os bancos cobram altas taxas porque têm medo de não receber nada”, avalia.

Denúncias
O conhecimento a respeito das principais práticas abusivas existentes já é um primeiro passo para saber como evitá-las, assim como reconhecer quando uma compra é pertinente ou prejudicial ao orçamento. Para o primeiro caso, é recomendável denunciar práticas abusivas aos órgãos de proteção ao consumidor.

No Ceará, o Programa Estadual de Defesa do Consumidor (Decon-CE) e o Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon Fortaleza) orientam os consumidores sobre seus direitos, intermedeiam os conflitos nas relações de consumo e a informam as providências cabíveis caso seja necessário recorrer à via judicial. Os órgãos podem ser contactados pelos sites www.decon.ce.gov.br e www.catalogodeservicos.fortaleza.ce.gov.br/categoria/defesadoconsumidor, respectivamente.
Outra opção é a plataforma consumidor.org, que permite o diálogo direto entre consumidores e empresas.

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