Apesar de alta no potencial de consumo, Pirambu enfrenta desemprego

Com um comércio dinâmico, que movimenta milhões anualmente e que cresceu 37,2% nos últimos dois anos, o bairro de Fortaleza também sente os efeitos negativos de uma recessão que perdura desde 2014

Escrito por Hugo Renan do Nascimento , hugo.renan@diariodonordeste.com.br
Legenda: Atividades que fornecem produtos e bens na faixa de salário mínimo são as mais afetadas pela crise
Foto: FOTO: KID JÚNIOR

A mudança de ponto comercial já sinaliza que a crise econômica afetou os negócios de Victor Hugo, de 32 anos. Proprietário de uma loja de roupas e calçados no bairro Pirambu, em Fortaleza, ele teve que tomar a dura decisão de demitir dois funcionários e "se virar" apenas com uma vendedora.

Agora, o comerciante tenta superar as dificuldades e recuperar os prejuízos dos últimos anos. "As vendas estão fracas há dois anos e não tivemos sinal de nenhuma melhora. Pelo contrário, só pioram a cada mês. As pessoas estão comprando só o útil e o necessário. Ninguém para de comer e se veste menos", comenta.

> Poder de compra do bairro Pirambu cresce 37,2% em dois anos

Embora o potencial de consumo da comunidade do Pirambu tenha alcançado o patamar de R$ 246 milhões em 2018, uma alta de 37,2% em relação a 2016 segundo levantamento da Outdoor Social, o bairro sente os efeitos negativos de uma recessão que perdura desde 2014. Para especialistas, o desemprego é o pior reflexo da instabilidade.

"Como são públicos com nível de renda menor, em geral, de baixa escolarização, eles têm muita dificuldade em épocas de crise em conseguir bons empregos ou até mesmo no mercado informal. Impacta também na renda, porque, sem trabalho, essas pessoas ficam muito dependentes de programas de transferência de renda", explica João Mário de França, diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) e professor da Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Consumo

Segundo ele, praticamente toda a renda dessa população é destinada ao consumo. "É claro que esse consumo se divide em vários itens predominantemente de alimentação no domicílio, material de construção, higiene e cuidados pessoais. Quando você tem uma crise como essa, que afeta o emprego e a renda, o impacto é grande no consumo dessas famílias e até dos pequenos negócios e estabelecimentos que estão nessas zonas".

João Mário ainda explica que muitas famílias endividadas estão reticentes para voltar ao mercado de consumo.

"As famílias estão preferindo pagar as dívidas ou poupar o que puder e se prevenir para, na volta de uma nova crise, estarem numa situação menos fragilizada do ponto de vista econômico", acrescenta.

Para sair da situação de recessão, a alternativa encontrada é montar o próprio negócio. "Muitas vezes, os resultados não são bons porque, com a crise, as vendas não acontecem".

O professor de Economia Ecológica da UFC, Aécio Alves de Oliveira, também diz que o desemprego é a principal característica da crise.

"Isso significa cortar a possibilidade de acesso das pessoas ao mercado de bens e serviços. A condição necessária de sobrevivência biológica é o emprego. À medida em que ocorre crise, a primeira variável econômica que é afetada é a variável emprego, porque as empresas vão tentar superar a recessão economizando e reduzindo despesas".

Comércio

Oliveira afirma que, no contexto de recessão, as atividades típicas que fornecem produtos e bens na faixa de salário mínimo no Pirambu são os que mais sentem. "O comércio é o mais afetado. A pessoa desempregada ou aquela que ganha o salário mínimo é mais seletiva. Evidentemente, o último corte no orçamento é alimentação. Começa a atrasar a conta de luz e de água. Mais cedo ou mais tarde, o comércio e a produção locais vão sentir", esclarece o professor.

De acordo com ele, os canais de transmissão da crise vão se alastrando e estão encadeados.

"A recessão vai sendo transmitida por essas vias. É um problema como uma bola de neve. Se você deixa de comer fora de casa, alguém deixou de produzir para vender. Se as pessoas deixam de frequentar esses locais, eles vão produzir menos, vão comprar menos insumos e isso tem um efeito em cadeia. Provavelmente, os estabelecimentos vão demitir algum empregado e comprar menos de algum lugar as matérias-primas".

É o que está acontecendo no estabelecimento de Victor Hugo. Ele, que já mudou para um ponto comercial e demitiu funcionário, agora tenta se reerguer. Porém, o comerciante não encontra perspectivas de melhoria da economia.

"Mudei de ponto porque as vendas estão fracas demais. Eu deveria já ter procurado outra coisa. Pretendo me formar e trabalhar logo. Estou estudando radiologia na faculdade para ver se as coisas melhoram. Quando comprei a loja de um amigo, há uns seis anos, isso tudo valia a pena e já foi bom", confessa.

No estabelecimento chamando Loja 9,99, Victor Hugo vende produtos que variam de R$ 5 a R$ 20. "Dezembro e Dias das Mães são as melhores datas, mas este ano essa data foi fraca. Antigamente, dava para vender tudo a R$ 9,99. Faço saldão no fim de semana para ver se as vendas melhoram. Vendo mais feminino, mas tenho aqui masculino e infantil. Também vendo muito relógio", explica.

Construção

No levantamento feito pela Outdoor Social, o segmento de material de construção movimentou no Pirambu no ano passado R$ 29 milhões, um crescimento de 43,5% em relação a 2016. Apesar da evolução, o comerciante Marcos Diógenes, de 28 anos, proprietário do Comercial Carlito, no Pirambu, reclama das vendas.

"Nós já temos o estabelecimento há oito anos. Com alguma dificuldade, eu assumi e botei o negócio para frente, mas as vendas estão fracas com esse período de crise. Abril e maio são sempre ruins e, a partir do segundo semestre, as vendas melhoram".

Segundo ele, o Pirambu é bom para o comércio em geral. "Mas já foi melhor. Hoje, temos só essa loja, mas pensamos em ter outra porque temos bastante clientes de outros bairros de Fortaleza". Marcos também diz que o negócio gira com capital próprio. "Nunca pegamos empréstimo em banco", enfatiza.

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