Japão sofre críticas após oficializar retomada de caça às baleias

Governo nipônico foi acusado de ignorar a necessidade de proteger os oceanos

Escrito por AFP ,

O Japão anunciou nesta quarta-feira (26) sua retirada da Comissão Baleeira Internacional (CBI) com o objetivo de retomar a caça comercial em julho, desafiando os defensores dos cetáceos, 30 anos depois de ter encerrado esta prática - ao menos oficialmente. Na realidade, o Japão nunca interrompeu completamente a caça às baleias, utilizando um cláusula da moratória de 1986 que autoriza a captura destes animais para pesquisa.

Agora, retomará a caça publicamente com fins comerciais, como já fazem Islândia e Noruega. As críticas não demoraram a chegar: o governo australiano afirmou que está "extremamente decepcionado" e pediu ao Japão que reconsidere sua posição.

O ministro neozelandês das Relações Exteriores, Winston Peters, enviou uma mensagem similar a Tóquio e criticou uma "prática antiquada e inútil". O Japão não vai caçar em "águas da Antártica, ou no hemisfério Sul", alegou Yoshihide Suga, representante do governo para o tema. "A caça estará limitada às águas territoriais e à zona econômica exclusiva do Japão, de acordo com as cotas de capturas calculadas segundo o método da CBI para não esgotar os recursos", disse. O governo prevê que a saída da CBI se torne efetiva no dia 30 de junho.  

As organizações ecológicas reagiram e criticaram a decisão. "Está claro que o governo tenta fazer o anúncio de forma discreta, no fim do ano, longe do foco da imprensa internacional, mas o mundo não é bobo", comentou o diretor da unidade japonesa do Greenpeace, Sam Annesley.

"A decisão do Japão está completamente defasada em relação à comunidade internacional e ignora a necessidade de proteger nossos oceanos e estas criaturas majestosas", completou.

A associação americana Humane Society International (HSI) lamentou que o Japão se transforme em uma "nação pirata" de caça às baleias. A ONG Sea Shepherd considerou, paradoxalmente, que a decisão do Japão era "uma boa notícia para as baleias".

Segundo a organização, que costuma denunciar os baleeiros japoneses, o Japão vai parar de caçar na zona protegida do Oceano Antártico sob um pretexto científico e sua retirada da CIB permitirá que este organismo estabeleça uma nova zona protegida no Atlântico Sul.

"Alegramo-nos de que acabe a caça de baleias na zona protegida do Oceano Antártico", afirmou Paul Watson, fundador desta ONG, em um comunicado.

O Japão - indicou a HSI - é o maior contribuinte financeiro da Comissão Baleeira, que precisará substituir a parte de Tóquio em seus recursos.

Na última temporada, os pescadores nipônicos mataram quase 600 baleias a título de expedições científicas, na Antártica e no Pacífico. Apesar desta razão oficial, a carne do cetáceo costuma parar nos balcões das peixarias.

Atualmente, porém, a maioria dos japoneses diz não consumir carne de baleia, ou fazê-lo apenas em raras ocasiões.

"O caminho a seguir"

Suga justificou a decisão pela "ausência de concessões por parte dos países unicamente comprometidos com a proteção das baleias, apesar dos elementos científicos que confirmam a abundância de certas espécies de baleias".

Uma divergência evidente foi registrada na última reunião da CBI, em setembro, recordou o representante do governo. Na ocasião, a entidade rejeitou o texto apresentado pelo Japão, com o título "O caminho a seguir".

A ideia de Tóquio era aplicar uma via dupla dentro da CBI, uma organização com 89 países-membros, para incluir a preservação e a caça comercial das baleias. Esta última teria sido administrada por um "comitê sustentável de caça às baleias".

A proposta teria acabado com a moratória imposta a esta atividade em 1986, da qual o Japão é signatário.

Os países defensores das baleias, como Austrália, União Europeia e Estados Unidos à frente, rejeitaram o texto nipônico, com 41 votos contra 27, o que levou o Japão a abandonar a CBI.

"Uma retirada não é a melhor opção, mas é preferível para alcançar nosso objetivo principal, que é retomar a pesca comercial", destacou o diretor da Agência de Pesca, Hideki Moronuki.

"Nação pirata"

O governo nipônico abre assim uma nova frente de batalha entre os críticos e os defensores da caça dos cetáceos, a qual os japoneses, especialmente os mais nacionalistas, consideram uma importante tradição nipônica.

Vários membros do Partido Liberal Democrata (PLD), partido conservador do primeiro-ministro Shinzo Abe, defendem "a riqueza desta cultura", segundo as palavras de Suga.

"Esperamos que esta decisão permita transmiti-la à próxima geração", destacou.

Confira os principais momentos da longa história do país com as baleias:

Uma tradição que remonta ao século XII
Foi no século XII, segundo a Associação Japonesa da Caça de Baleias, que os pescadores do arquipélago começaram a capturar esses animais marinhos com arpões. 

No século XVII, a prática foi organizada na cidade de Taiji (oeste), atualmente conhecida - e muito criticada no exterior - como um porto de caça de golfinhos. 

Pós-guerra: fonte de proteínas
Em 1906, foi construída uma base para a caça de baleias em Ayukawa (região de Miyagi, nordeste), marcando o início da caça de baleias moderna no arquipélago. 

No fim da Segunda Guerra Mundial, houve escassez de alimentos no Japão, e a carne de baleia se tornou uma importante fonte de proteínas.

Em pleno auge da caça, nos anos 1950, cerca de 2.000 baleias chegavam a porto por ano.

Em 1951, o Japão aderiu à CIB, criada em 1946 para conservar e administrar a população mundial de baleias e cetáceos. O Japão se tornou um dos maiores países baleeiros do mundo. 

Anos 1980: moratória e pesquisa científica
Em 1986 entrou em vigor uma moratória sobre a caça comercial decidida na CIB, que o Japão assinou. Em 1988, o arquipélago parou de caçar pequenos rorquais e cachalotes nas águas costeiras japonesas.

Mas ao mesmo tempo começou a "pesquisa científica" na Antártica em 1987, que continua ainda hoje, matando os cetáceos e servindo-se de uma cláusula especial da moratória que autoriza a caça com fins científicos. 

Condenação da ONU e da Sea Shepherd
A partir de 2005, durante suas campanhas de caça na Antártica, os baleeiros japoneses foram assediados pelos navios da organização Sea Shepherd que, no entanto, acabou optando por parar de seguir a frota japonesa após 2017. 

Em 2014, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), tribunal das Nações Unidas, ordenou ao Japão que pusesse fim a sua caça regular nas águas da Antártica, rejeitando o argumento da pesquisa científica. 

O Japão cancelou sua campanha do inverno de 2014-2015 na Antártica, mas a retomou na temporada seguinte, no âmbito de um novo programa que, segundo o país, responde aos critérios científicos da CIB. A União Europeia e outros 12 países condenaram esta atitude do Japão. 

2018, ameaça e anúncio da retirada da CIB
Em setembro de 2018, a CIB rejeitou a proposta do Japão de revisar a gestão dos diferentes tipos de pesca dentro da comissão, com o objetivo de retomar a caça de baleias com fins comerciais. A proposta do Japão foi rejeitada por 41 votos contra 27. O governo nipônico ameaçou abandonar a instância internacional.

Em 26 de dezembro, o Japão anunciou sua retirada da CIB e a retomada da caça comercial a partir de julho de 2019.