Governo 'desconvida' embaixadora de Guaidó para evitar tensão com Maduro

Maria Teresa Belandria havia sido convidada para participar da cerimônia de entrega de cartas credenciais ao presidente Jair Bolsonaro na próxima semana

Escrito por FolhaPress ,
Legenda: Os militares do governo avaliam que a participação na cerimônia de uma liderança da oposição ao regime chavista seria uma "provocação desnecessária" ao ditador Nicolás Maduro
Foto: Foto: STF / AFP

Pressionado pela ala militar do governo, o Itamaraty desconvidou a representante no Brasil do autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, para a cerimônia de entrega de cartas credenciais ao presidente Jair Bolsonaro na próxima semana. 

Na terça-feira (4 de junho), Bolsonaro deve recepcionar no Palácio do Planalto os novos embaixadores de sete países: México, Colômbia, Paraguai, Arábia Saudita, Peru, Guiné e Indonésia. 

Segundo uma circular diplomática à qual a reportagem teve acesso, María Teresa Belandria, indicada em fevereiro para atuar como embaixadora de Guaidó no Brasil, também havia sido convidada a entregar suas credenciais a Bolsonaro no dia 4 de junho.

O Brasil, assim como outros 50 países, reconhece Guaidó como presidente interino da Venezuela.

No entanto, ela acabou excluída do evento por pressão da ala militar do governo

Na tradição diplomática, a apresentação das credenciais ao chefe de Estado marca oficialmente o início da missão de um embaixador como representante do seu país em uma nação estrangeira. 

Os militares avaliaram que a participação na cerimônia de uma liderança da oposição ao regime chavista seria uma "provocação desnecessária" ao ditador Nicolás Maduro, justamente no momento em que os generais conseguiram reduzir a tensão entre os dois países.

A fronteira entre as cidades de Pacaraima (em Roraima) e Santa Elena de Uairén (na Venezuela), que ficou fechada por quase três meses, foi reaberta no início de maio. 

O governo também retomou nas últimas semanas as negociações com emissários de Maduro para que a Venezuela volte a vender energia elétrica para Roraima, o único estado brasileiro que depende da importação de eletricidade. 

Além das questões práticas, há um cálculo político por trás do veto a Belandria. 

Os militares avaliam que o levante liderado por Guaidó em 30 de abril não foi bem-sucedido e enfraqueceu sua posição

Embora os conselheiros militares de Bolsonaro desejem uma mudança de governo na Venezuela, eles consideram que, ao menos no curto prazo, o mais provável é que Maduro continue no poder

Sendo assim, dizem, o país precisa preservar alguma interlocução com os chavistas. 

Maduro mantém um representante em Brasília, o diplomata Freddy Efrain.

Nesse cenário, igualar Belandria aos demais embaixadores acreditados poderia prejudicar o esforço feito pelo Palácio do Planalto nos últimos meses para reduzir a tensão com o país vizinho.

Segundo relatos feitos à reportagem, a área de inteligência do Planalto avaliou que havia o risco de que a formalização do reconhecimento diplomático da indicada de Guaidó levasse a um novo fechamento da fronteira com a Venezuela.

Nas palavras de um assessor presidencial, não cabe fazer esse tipo de sinalização neste momento, ainda mais diante do enfraquecimento do líder opositor.

A opinião sobre a posição delicada em que se encontra Guaidó foi vocalizada, em 30 de abril, pelo ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno. 

À época, Heleno disse que o apoio das Forças Armadas venezuelanas ao presidente autoproclamado não alcança "os altos escalões" e que "não há uma expectativa de solução no curto prazo." 

Procurado, o Ministério das Relações Exteriores não comentou o desconvite a Belandria.

A representante de Guaidó, por sua vez, disse que o tema é "protocolar". 

"Será agendada uma nova oportunidade para a Venezuela. O apoio do Brasil continua sendo sólido, forte e decidido. É um tema meramente protocolar", disse Belandria. 

A ação dos militares para barrar a representante de Guaidó deixa novamente em evidência a disputa entre os generais do governo Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo.

Os militares desaprovaram, desde o início do mandato, a forma como Araújo conduziu a resposta do Brasil à crise na Venezuela.

Para eles, o ministro alinhou o Brasil a uma estratégia, liderada pelos Estados Unidos, excessivamente agressiva contra Maduro, que goste o Brasil ou não ainda controla o território venezuelano. 

Desde o fim de fevereiro os militares atuam para limitar a influência de Araújo nas principais decisões que envolvem o país vizinho.