De perfil técnico, Warren ganha espaço na corrida pela Casa Branca

Em três meses, Warren dispararam passou de 5% para 15% na média das pesquisas democratas

Escrito por AFP ,
Legenda: Warren foi eleita senadora por Massachusetts em 2012 pelo partido republicano
Foto: AFP

Até 1996, Elizabeth Ann Warren era registrada como republicana no sistema eleitoral dos Estados Unidos. Ainda fora da política, não se considerava conservadora, mas não costumava votar em democratas –com uma exceção: apoiou Bill Clinton em 1992.

Nascida no tradicionalista estado de Oklahoma, achava natural ser filiada ao Grand Old Party. Mais de duas décadas depois, a advogada de 70 anos não imaginava que estaria na disputa com Bernie Sanders, expoente da esquerda americana, pelo eleitorado mais progressista na corrida à Casa Branca.

Já convertida ao Partido Democrata, Warren foi eleita senadora por Massachusetts em 2012 e hoje é um dos 23 nomes que brigam pelo posto de candidato da oposição a Donald Trump na eleição de 2020.

Ela tem atraído holofotes e parte da preferência do eleitorado com uma plataforma ambiciosa, que propõe taxar ultramilionários e reconstruir a classe média americana.

O discurso de combate à desigualdade social e com críticas ao sistema financeiro foi utilizado por Sanders em 2016, mas ganhou roupagem mais pragmática com Warren.

Dois anos após perder a nomeação para Hillary Clinton, o senador por Vermont vê outra mulher avançar sobre seu território.

Em três meses, os números de Warren dispararam de 5% para 15% na média das pesquisas democratas, empatando com Sanders em segundo lugar. Os dois estão atrás apenas do ex-vice-presidente Joe Biden, que tem 30%.

O mantra "eu tenho um plano para isso" –vendido até como estampa de camisetas– é a alegoria bem humorada das dezenas de propostas lançadas por Warren.

Elas deram corpo à ideia de que seu nome é mais palatável ao establishment do que o do intempestivo Sanders e somavam 32 itens na última semana, do controle de armas à crise dos opioides.

Sob os óculos redondos que remetem ao período em que dava aula na Universidade Harvard, Warren cita números com desenvoltura.

Ela fez da igualdade racial e do cancelamento das dívidas estudantis seus principais trunfos, de olho no voto dos jovens e negros –24% dos eleitores nas primárias democratas de 2016.

Sua grande bandeira é eliminar os débitos de alunos de até US$ 50 mil (R$ 200 mil), o que beneficiaria 42 milhões de americanos que têm dívidas de financiamento estudantil.

A senadora é uma das principais debatedoras do tema no Congresso e contratou especialistas no assunto para seu gabinete. A equipe de Warren é conhecida em Washington como fonte de informação segura inclusive para auxiliares de outros parlamentares.

Outra especialidade da senadora são as críticas às grandes corporações e a Wall Street, o centro financeiro dos EUA. Assim como Sanders, ela diz que sua campanha não aceita dinheiro dos grandes doadores e que pretende mudar o funcionamento da economia, transferindo mais recursos para os trabalhadores.

Para isso, defende taxar o 0,1% mais rico do país e calcula que a medida renderia US$ 3 trilhões (R$ 12 trilhões), que poderiam ser usados para beneficiar os mais pobres.

Segundo a proposta, pessoas com patrimônio líquido superior a US$ 50 milhões (R$ 200 milhões) seriam taxadas em 2%, enquanto os bilionários teriam que pagar 3% .

De acordo com dados do Congresso, Warren é, por sua vez, uma milionária, mas não o suficiente para ser taxada por sua proposta. Ela contabiliza uma fortuna entre US$ 2,5 milhões e US$ 8,3 milhões –o salário anual de um senador nos EUA é de US$ 174 mil.

Warren já arrecadou US$ 25,2 milhões em pequenas contribuições, mas permanece atrás de Sanders.

O senador tem US$ 36,2 milhões na conta de sua campanha. Ele, porém, perdeu para Warren a corrida de abril a junho, quando juntou US$ 18 milhões ante os US$ 19,1 milhões dela –a principal fonte dos dois são as doações de até US$ 200 (R$ 800).

Formada em direito pela George Washington University, a senadora se especializou em leis para o sistema financeiro e hoje acusa o governo Trump de ser "o mais corrupto" que já viu.

Sempre que devolve os ataques, o presidente se refere à opositora com deboche, como o apelido de "Pocahontas", remetendo a um dos episódios mais controversos da vida pública da senadora.

O jornal The Washington Post revelou que Warren se registrou como "nativo americano" –ou indígena– na ordem dos advogados do Texas, em 1986. A notícia levantou críticas de ativistas que a acusaram de uso indevido da cultura para reivindicar uma suposta herança tribal e atrair a simpatia das minorias.

Ela chegou a fazer um exame de DNA no ano passado para comprovar sua árvore genealógica, o que escalou o debate, mas depois pediu desculpas pelo que chamou de "confusão entre soberania tribal e cidadania tribal."

A chacota de Trump, porém, reflete o outro desafio de Warren para se tornar a candidata democrata em 2020: vencer a misoginia americana. O sexismo é apontado como uma das razões que contribuíram para a derrota de Hillary em 2016.

Por mais que haja Warren e mais cinco mulheres na disputa pela indicação democrata, a ala moderada do partido –que prefere Biden– não acredita que uma delas seja capaz de vencer Trump.

A relação com Sanders será decisiva para pavimentar o caminho de Warren até 3 de novembro de 2020, quando ocorre a eleição americana.

Até agora, ambos têm mantido uma simbiose particular, na qual evitam se atacar diretamente e desfrutam de um equilíbrio limitado.

Nos próximos meses, a ex-republicana terá que decidir se continua a parceria ou se descola de vez sua imagem de Sanders para se mostrar a única capaz de vencer o centrismo de Biden, hoje favorito para derrotar Trump.