Arábia Saudita tem muito a perder com o caso do jornalista desaparecido

Desaparecimento de jornalista saudita dissidente Jamal Khashoggi complica relações entre EUA e reino saudita

Escrito por AFP ,

A economia da Arábia Saudita tem muito a perder na escalada de tensão com os Estados Unidos após o desaparecimento do jornalista Jamal Khashoggi, alertam os especialistas.

Como sinal da gravidade da crise, o presidente Donald Trump enviou seu secretário de Estado Mike Pompeo a Riad para encontrar o rei Salman e o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman. 

De acordo com Trump, o rei diz "ignorar" o paradeiro de Khashoggi, apesar de as autoridades turcas garantirem que foi assassinado por um comando saudita dentro do consulado de Riad em Istambul.

Desde 2 de outubro, o caso está em destaque na imprensa mundial e provocou ameaças dos Estados Unidos, principal parceiro comercial da Arábia Saudita.

Os sauditas, que vendem um milhão de barris por dia para os Estados Unidos, poderiam recorrer ao uso do petróleo como arma econômica. Mas segundo Jean-François Seznec, especialista em energia, isso "destruiria completamente sua imagem como um fornecedor confiável e desestabilizaria" Mohamed bin Salman. 

O caso complica as coisas para Trump, que transformou seu relacionamento pessoal com o rei Salman e seu filho, o príncipe Mohamed, na base de sua estratégia de abordagem da Arábia Saudita e Israel contra o Irã. 

Em retaliação pelo desaparecimento do jornalista, legisladores democratas e republicanos poderiam bloquear as vendas de armas e pressionar o governo Trump a sancionar indivíduos específicos. 

Após sua conversa telefônica com o rei Salman, Trump não descartou que o desaparecimento de Khashoggi fosse obra de "assassinos comuns". Pouco antes, ele havia falado de punição "severa", isto é, sanções, caso a implicação saudita fosse confirmada.

A ameaça de sanções foi muito mal recebida em Riad, onde uma autoridade lembrou que o país petroleiro "tem papel vital na economia mundial". 

A emissora de televisão saudita Al Arabiya falou de 30 possíveis medidas que podem afetar, entre outros, o preço do petróleo, que pode chegar a "200 dólares" - comparado aos atuais 80. 

Segundo Seznec, pesquisador do Center for Global Energy del Atlantic Council, se a crise tivesse um efeito sobre o petróleo, Mohamed bin Salman "poderia exigir pagamentos em yuan [em vez de dólares], mas isso desestabilizaria a economia mundial e levaria os Estados Unidos a tomarem medidas drásticas. 

Segundo o especialista, pode até precipitar "uma mudança de liderança na Arábia Saudita"

Richard LeBaron, que era embaixador dos EUA no Kuwait e também colaborador do Atlantic Council, diz que qualquer medida de retaliação saudita "não os ajudará a curto ou longo prazo, porque reforçará a crescente reputação do regime de imprevisibilidade e impetuosidade", enquanto o país busca investidores "em todo o mundo".

Para François Heisbourg, conselheiro da Fundação para a Pesquisa Estratégica, em Paris, se Riad recorrer a um embargo petroleiro, "produtores de petróleo de xisto nos Estados Unidos ficariam satisfeitos, os chineses sofreriam e os europeus também".

E se o Congresso americano decidir bloquear as vendas de armas, "os sauditas poderiam recorrer à Rússia, mas, por algum tempo, o reino, que depende inteiramente dos sistemas americanos, não teria mais defesa por causa de um sério problema de peças de reposição".

Poucos dias depois do desaparecimento de Khashoggi, Trump disse durante uma reunião pública que o rei Salman não poderia aguentar "nem mesmo duas semanas" sem os Estados Unidos. 

A escalada também poderia ter um impacto na troca de informações de segurança entre os dois países. Mas, de acordo com Heisbourg, os sauditas "não estão interessados em ir longe demais". 

O centro de análise Sufan critica Trump por basear as relações bilaterais com Riad em "pessoas em vez de princípios" desde a ascensão do príncipe Mohamed.

Em várias declarações na semana passada, o presidente dos Estados Unidos falou de grandes projetos militares no valor de 110 bilhões de dólares com o governo de Riad, que geram empregos nos Estados Unidos e podem estar em risco com a crise. 

Mas de acordo com o The New York Times, esse número de 110 bilhões é "exagerado".