Após ganhar no tribunal direito de se candidatar, Evo é julgado nas urnas

O atual presidente boliviano tem chances de ir ao segundo turno com Carlos Mesa

Escrito por Folhapress ,
Legenda: Neste domingo, mais de 7 milhões de bolivianos irão às urnas para decidir se querem ou não que o mandatário, no poder desde 2006, siga no poder por mais cinco anos
Foto: AFP

Numa das travessas da avenida Panorámica, na cidade de El Alto, há um pequeno quiosque. Em meio a salgadinhos, maços de cigarro, chips e acessórios para celular, Enrica Saucedo, 59, dá seu palpite para a eleição boliviana deste domingo (18).

"Preferia que Evo saísse. São muitos anos e muita corrupção. Por outro lado, eu e minha família não queremos viver o clima de quebradeiras, dos protestos do passado. Se é para voltar a isso, melhor que ele fique", resume.

O local em que trabalha é tão pequeno que só podem entrar dois fregueses por vez. Contrasta com o "cholet" ao lado, que tem um salão de festas para aluguel no térreo e uma barbearia e uma loja de lingeries no primeiro piso. Os andares superiores são de uso residencial.

Um "cholet" é um tipo de habitação e de negócio típico dos anos de gestão do esquerdista Evo Morales, 59. Antes, El Alto era apenas uma cidade-dormitório, com menos comércio e habitada por uma classe média baixa e pobres.

Com a diminuição da pobreza e o aumento da classe média, muitos passaram a não querer sair do município quando melhoraram o padrão de vida, investindo ali mesmo.
Carlos Arano, 49, é um deles. Com a família, construiu esse "cholet" – mistura das palavras "cholo", usada para se referir de modo pejorativo aos indígenas, e "chalet" – cuja fachada, assim como a de outros edifícios da região, é colorida e revestida de muito vidro.

"Se não fosse por Evo, El Alto continuaria a ser um lugar de pobreza e penúria. Hoje encontra-se tudo aqui, há um comércio pujante, as coisas são mais baratas que na capital, e vive-se mais em comunidade", conta.

Com população de 2,3 milhões de pessoas e clima frio durante todo o ano, El Alto abriga migrantes de muitas partes da Bolívia que buscam um emprego em La Paz. Por isso, é um bom termômetro de um país partido. Em seus muros, há frases como "se não Evo, quem?", "basta de Evo", "Evo para sempre" e "Evo ecocida" –em referência aos incêndios na Amazônia.

Neste domingo, mais de 7 milhões de bolivianos irão às urnas para decidir se querem ou não que o mandatário, no poder desde 2006, siga no poder por mais cinco anos. O líder indígena de origem aymara teve de apelar ao Tribunal Constitucional da Bolívia com o argumento de que teria um direito humano violado caso não pudesse seguir competindo. Isso porque a Constituição boliviana permite apenas uma reeleição consecutiva. Ganhou a batalha de interpretação legislativa e está concorrendo.

"Isso é uma fraude, é uma candidatura ilegal", disse, em entrevista à Folha, em agosto, Carlos Mesa, 66, aquele que quer impedir o avanço de Evo. Ex-presidente, o centro-esquerdista vem atraindo os votos de quem crê que uma reeleição, nessas condições, seria um ataque à democracia.

Estão com ele parte do eleitorado urbano, que realizam atos para que seja respeitado o referendo de 2016, cujo resultado foi "não" à ambição de Evo de concorrer outra vez, e indígenas que se desiludiram com o presidente.

> Oposição de direita e esquerda se une contra reeleição de Morales na Bolívia

As pesquisas na Bolívia são pouco confiáveis, pois os institutos têm dificuldades de ir até certas regiões afastadas do país para coletar os dados. Ainda assim, os principais levantamentos, como o da Ipsos, divulgado no último fim de semana, apontam vitória de Evo com 40% dos votos – seguido por Mesa, bem atrás, com 22%.

Segundo a lei eleitoral boliviana, para ganhar em primeiro turno o candidato precisa obter 50% mais um voto, ou 40%, desde que com diferença de dez pontos percentuais para o segundo colocado.

Outros institutos, porém, como o Ciesmori, mostram 36,2% para Evo contra 26,9% de Mesa. Se o resultado se confirmar, haverá segundo turno em 15 de dezembro e uma batalha pelos eleitores do terceiro colocado, o senador direitista Óscar Ortiz, que tem 7,9% das intenções de voto. Outro fator de incerteza é o fato de que todas as pesquisas mostram um alto índice de indecisos, entre 20% a 30%.

O que favorece e o que atrapalha Evo

A favor de Evo está uma economia que vai bem, embora não cresça no ritmo acelerado do passado. Para este ano, o Fundo Monetário Internacional prevê crescimento de 3,9% do PIB. Ou seja, mais que Chile, Peru, Argentina e Brasil. Além disso, a pobreza foi reduzida de 60% para 35%.

Por fim, desde que assumiu o poder, os conflitos entre Estado e sindicatos, que tanto sacudiram a Bolívia e causaram distúrbios nas ruas, foram em sua maioria apaziguados. Contra Evo, há acusações de corrupção, ataques à imprensa, alto índice de feminicídio e violência doméstica no país e a reação lenta aos incêndios na Amazônia boliviana, que destruíram 4 milhões de hectares.

A região mais afetada, a de Santa Cruz de la Sierra, costumava abrigar seus mais ferozes opositores. Evo havia conseguido chegar a uma aliança com esse setor nos últimos anos, mas a insatisfação com as queimadas voltou a criar resistências.

"Dizem que eu sou um populista. Mas o que é ser um populista? É estar junto ao povo? Então, sim, sou", disse, em entrevista à Folha em agosto.

Já Mesa conta com o apoio dos que defendem que Evo aplicou um "golpe" ao concorrer a um quarto mandato. Também é tido como alguém moderado, além de culto – tem formação de historiador e é autor de vários livros.

Contra Mesa está o fato de não ser tão popular em regiões afastadas do país e de ter renunciado em meio a uma situação de conflito social, o que, para muitos, fez com que fosse rotulado de medroso.

"Evo tem mais chances se ganhar no primeiro turno. Se houver segundo turno, pode ser que a coisa se complique para ele. Porém, não se pode esquecer que ele tem o aparato público, e com isso tudo fica mais fácil", afirma o analista político Fernando Molina.