Especialistas consideram cedo para apontar novo ciclo político

Partidos progressistas saíram vitoriosos nas urnas da Argentina, Uruguai e Colômbia, mas, para pesquisadores, os resultados apontam mais para insatisfações sociais do que para uma nova ascensão da esquerda na região

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Legenda: Vitória da chapa encabeçada por Alberto Fernández, com Cristina Kirchner como vice, representa derrota eleitoral para forças conservadoras
Foto: Foto: AFP

Duas coincidências unem as disputas eleitorais no Uruguai, na Argentina e na Colômbia. Além da data escolhida para a ida às urnas, no dia 27 de outubro, há outro denominador comum: a vitória de atores ligados ao campo progressista.

"Está começando a se exigir um retorno ao ciclo da distribuição de renda, a uma política de combate à pobreza", considera o professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, Uribam Xavier.

Este seria um retorno à política adotada por governos ligados à esquerda no início dos anos 2000, quando vários governantes na América Latina conciliaram a distribuição de renda com o aumento de lucros do sistema financeiro, no que Xavier caracteriza como sistema "ganha-ganha".

Esse modelo entrou em colapso a partir de 2012, quando a crise econômica atingiu os países latinos e contribuiu com a ascensão da direita aos governos nestes países. Contudo, em alguns casos, também estes governos começam a entrar em colapso.

"Está apontando para o caos. As políticas de austeridade não estão funcionando, mas o que a esquerda está oferecendo é insuficiente para pensar uma política de longo prazo. Tanto a direita como a esquerda têm que repensar os seus pressupostos econômicos", afirma Xavier.

Nesse contexto, pensar a volta de uma onda de esquerda ainda é precoce, considera a professora de Relações Internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker. A população tem se concentrado na eficácia das políticas de Estado, independentemente de espectro econômico. "O eleitor tem sido mais crítico, não é mais só uma questão de agenda, mas sim a necessidade de romper com problemas clássicos da América Latina, como a pobreza, a alta desigualdade e a falta de inclusão", aponta ela.

A questão, inclusive, não se restringe à dicotomia entre a direita e a esquerda. "Não estão discutindo ideologia, mas sim pautas", ressalta Alberto Pfeifer, coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. "É o transporte público caro, o sistema de aposentadoria com injustiças, a educação superior que não é universal. O descompasso entre as expectativas e a capacidade do Estado", completa.

Holzhacker, contudo, aponta o colapso na agenda neoliberal. "Os ganhos não se sustentaram e tem diminuído a renda, sem nenhuma proteção social", afirma. Uma derrocada em um período curto. "Esses ciclos estão durando pouco. Como não tem alternativa, as opções têm pernas curtas", concorda Xavier.

Pfeifer discorda. "Está voltando a esquerda? Não. E não tem a supremacia de direita. É uma coincidência, não uma tendência", ressalta.

O futuro da relação

Embate direto entre o presidente Jair Bolsonaro e o recém-eleito Alberto Fernández coloca em risco a relação com a Argentina, terceiro maior parceiro comercial brasileiro.

Fernández, ainda na noite da vitória, pediu a liberdade do ex-presidente Lula, considerado por ele um preso político e provocou indignação de Bolsonaro.

"Pretendo dialogar, sim, não vamos fechar as portas. Agora, estamos preocupados e receosos, tendo em vista até o gesto que ele fez de Lula Livre", afirmou Bolsonaro, que não pretende parabenizar Fernández pela vitória.

"São emoções localizadas, no calor do resultado eleitoral", considera Alberto Pfeifer. Ele ressalta ainda a possibilidade de "desaceleração de acordos" para o Mercosul.

Denilde Holzhacker concorda. "(Mas) É uma parceria estratégica para os dois países e vai ser necessário buscar entendimentos políticos para não inviabilizar setores econômicos", enfatiza.