Transporte urbano pode influenciar no desenvolvimento infantil

Especialistas destacam o papel dos deslocamentos no acesso a serviços de saúde e lazer para crianças, assim como os efeitos negativos da poluição atmosférica. Por outro lado, autonomia dos modais pode ser incentivada

Escrito por Nicolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br
Legenda: Melhorias no transporte público e incentivos a novos modais auxiliam no desenvolvimento de crianças
Foto: FOTO: REINALDO JORGE

Se o transporte pode ser um desafio diário para quem anda sozinho, imagine para cuidadores de crianças pequenas, de colo ou levadas pela mão. Na abertura do Mobilize Summit, um dos principais eventos em transporte sustentável do mundo, que será realizado em Fortaleza até a próxima quarta-feira (26), especialistas em mobilidade urbana defenderam o planejamento de locomoção urbana pensando também nessa população.

Atualmente, a Capital tem cerca de 180 mil crianças de até cinco anos, e mais 130 mil de seis a nove anos, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a Fundação Bernard von Leer, o transporte urbano pode influir na qualidade das experiências que moldam o desenvolvimento cerebral dos pequenos, já que dele depende o acesso à alimentação de qualidade e serviços de saúde, além de parques e áreas de lazer, inclusive para mulheres grávidas. Um sistema de transporte ruim também é capaz de gerar estresse para os cuidadores. "Locomover-se pela cidade pode ser demorado, estressante e perigoso, afetando os cuidados que eles podem prover", destaca.

A entidade ainda chama a atenção para a poluição do ar, responsável por doenças respiratórias que podem levar à morte crianças abaixo de cinco anos. Os danos para os cérebros e pulmões em desenvolvimento, alerta, incluem asma, câncer, comprometimento cognitivo e funcionalidade reduzida. Para a presidente do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), Heather Thompson, é preciso estudar as demandas específicas da população que lida com os pequenos.

"Crianças andam mais devagar e são mais curiosas sobre as coisas. Quem cuida delas requer aprimoramentos dos serviços de transporte que as cidades ainda não entenderam", explica, sugerindo mudanças em paradas de ônibus para torná-las mais interessantes às crianças e possíveis de se esperar um veículo por mais tempo. "Fortaleza é quente, então poderia haver árvores por perto também", propõe a especialista.

Empoderamento

No entanto, pelo que Thompson observou, Fortaleza já é uma cidade "amiga da criança", tanto porque vem investindo na segurança viária quanto pela existência do programa Mini Bicicletar, com cinco estações e 50 bikes distribuídas no polo de Lazer da Sargento Hermínio, no Aterro da Praia de Iracema, na Praça Luíza Távora , na Praça das Flores e no Lago Jacarey. O projeto já proporcionou 16.316 viagens até a tarde de ontem, conforme a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP). "Acho muito especial esse encorajamento a crianças pedalarem. Muitas delas, ao redor do mundo, nunca aprenderam ou têm medo, mas ensiná-las desde cedo é uma das coisas mais empoderadoras que podemos fazer. Isso dá às pessoas um senso de autonomia que é importante para a verdadeira mobilidade", analisa.

Expansão

A rede cicloviária de Fortaleza cresceu de 68 km para 260 km, em menos de seis anos. Segundo uma pesquisa do ITDP, 40% da população de Fortaleza mora, no máximo, a 300 metros de algum ponto da rede cicloviária. Primeiro e maior dos quatro sistemas de bicicletas compartilhadas em operação na cidade, o Bicicletar já registrou mais de 2,5 milhões de viagens, segundo a Prefeitura de Fortaleza.

O secretário nacional de Mobilidade Urbana, Jean Pejo, destaca que os sistemas de transporte nas cidades simbolizam "qualidade de vida" e precisam ser "mais eficientes, participativos, inclusivos e humanos", facilitando deslocamentos como casa-emprego, casa-escola, casa-lazer e lazer-escola. Ele adianta que um programa do Governo Federal pretende, diante de novas implantações de sistemas coletivos de alta capacidade, como estações de BRT, VLT e metrô, implantar centros de lazer e conjuntos poliesportivos nas proximidades "para incentivar o uso de meios de transporte coletivos e facilitar atividades importantes para saúde, lazer e inclusão".

Prioridade

Na Capital, várias ações já tentam priorizar as pessoas e garantir mais segurança a pedestres, que são o segundo maior grupo de vítimas de acidentes de trânsito. O programa Esquina Segura, por exemplo, realizou melhorias de visibilidade em 224 cruzamentos da cidade, além de implantar travessias elevadas, ilhas de refúgio, semáforos para pedestres, prolongamento de calçadas e travessias em "x".

"A prioridade continua sendo a redução das mortes no trânsito. Conseguiu reduzir em 40%, mas ainda precisamos avançar (em ações), aprimorando a segurança viária, estimulando o sistema cicloviário, qualificando o transporte coletivo e integrando esses modais", projeta o prefeito Roberto Cláudio.

Só nos ônibus da Capital, cerca de 1,1 milhão de passageiros circula por dia. Parte dos veículos já opera sobre 107,4 km de faixas exclusivas - em 2013, eram apenas 3,3 km. O serviço de WiFi já engloba 100% da frota e, o ar-condicionado, 35%. Para a Prefeitura de Fortaleza, o estímulo para o uso do sistema também passa pelo aplicativo "Meu Ônibus", lançado em 2015, que oferece funções de previsão de chegada, paradas próximas, percurso em tempo real e denúncia de assédio sexual.

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