Superar limitações sobre duas rodas para experimentar as ruas

Conheça as histórias de ciclistas que reaprenderam a andar de bicicleta na vida adulta, com o apoio do projeto voluntário Bike Anjo, em Fortaleza

Escrito por Felipe Mesquita , felipe.mesquita@verdesmares.com.br
Legenda: Glauce Teixeira aprendeu a andar de bicicleta aos cinco anos, mas parou. Adulta, enfrentou o medo e voltou a experimentar o modal
Foto: FOTO: JL ROSA

Cruzar Fortaleza em cima de uma bicicleta é desvendar a olho nu uma cidade que tenta avançar em mobilidade cicloviária. Se a metrópole, tomada de carros, motocicletas, ônibus, vans e metrô incentiva o uso de mais um modal, resta ao usuário abraçar a ideia. Na prática, porém, lançar mão de um transporte pessoal ou público para se locomover sobre pedais requer também coragem e preparo, que, aos poucos, se transformam em superação.

E superar talvez seja o verbo que define a vida da maquiadora Glauce Teixeira, 38; e do doutorando em estatística Valdenir Oliveira, 25, além de ser a palavra de ordem da Escola Bike Anjo (EBA). De um lado, o desejo pulsante de pedalar; do outro, a vontade de ensinar gente de toda e qualquer idade, gênero ou faixa etária a andar de bicicleta com equilíbrio e segurança.

Então, calibre os pneus, lubrifique a corrente e revise os freios para passear entre as histórias que conduzem mais uma matéria da campanha "Amigos do Trânsito", do Sistema Verdes Mares (SVM). Depois de contar bons exemplos de condutores e das políticas públicas voltadas aos pedestres, chegou a hora de conhecer fortalezenses que encontraram na bicicleta uma maneira saudável de sair da rotina e vencer suas próprias limitações.

Embora não conheçam um ao outro, Glauce e Valdenir carregam consigo a satisfação de poder reavivar um sonho guardado nas memórias da infância: reaprender a andar de bicicleta. Mas as coincidências entre ambos não param por aí. Isso porque eles deram as primeiras pedaladas já aos cinco anos de idade. Contudo, o lazer preferido daquela época de criança foi deixado de lado, dessa vez, por motivos diferentes.

"Eu andei até os oito anos, porque depois vieram os outros atrativos, como o videogame. Sem falar que tinha também os estudos. Não dava para fazer tudo ao mesmo tempo, infelizmente", lembra a maquiadora. Já o estudante explica: "Era a minha avó que me ensinava a andar na rua. Só que ela teve câncer, ficou acamada e não tinha mais vigor e nem saúde para me levar. Meus pais trabalhavam muito e não tinham tempo para me guiar".

Vontade

Anos mais tarde, a mesma vontade compartilhada volta a se cruzar na vida adulta. Subir em uma bicicleta tanto tempo depois os deixava com "muito medo", disseram eles. Glauce até tentou, embora a experiência não tenha sido agradável. "Só fui lembrar de bike aos 28 anos. Eu estava andando no calçamento, e como não tinha estabilidade, levei uma queda e a coroa saiu rasgando minha perna. Uma semana depois descobri que estava grávida. De tanto medo que senti, fiquei traumatizada", explica.

Mesmo julgando não ser capaz, ela perdeu o receio somente após o nascimento do segundo filho, quando decidiu procurar as oficinas gratuitas da comunidade Bike Anjo. Atuando em 747 cidades e 34 países, o projeto chegou a Fortaleza em 2013 com a missão de ajudar ciclistas iniciantes com orientações básicas de como aprender a pedalar, recomendações de rotas e acompanhamento no trânsito. Voluntários parceiros do projeto orientam os interessados uma vez ao mês, no Parque Rio Branco, no São João do Tauape..

"Eles são verdadeiros anjos, não tem definição melhor que essa. Meu instrutor disse para eu não me preocupar, porque ele ia me segurar e eu ia conseguir. Quando vi, já estava andando sozinha. A partir dali, ninguém precisou me segurar mais", remonta Glauce, destacando ainda que a ajuda dos voluntários a fez resgatar o antigo prazer. "Eu sabia andar, mas o meu emocional estava abalado. Eles me apoiaram psicologicamente, me deram confiança. A sensação é de superação realmente".

O apoio do Bike Anjo também foi o refúgio do Valdenir, que havia esquecido como se equilibrar sobre duas rodas. "Eu tinha 21 anos na época e achava que era velho demais para aprender. E a iniciativa deles é justamente o contrário, ninguém é tão velho para aprender a andar de bicicleta", opina, rememorando os ensinamentos. "O projeto foi um divisor de águas. Eu tinha medo, mas estava disposto a tentar. Eles sabem como incentivar para que você ande e siga em frente", avalia.

Tanto estímulo assim engrandece alunos e instrutores. O engenheiro civil Felipe Alves, voluntário do Bike Anjo há seis anos, vê no olhar de cada um a alegria que é movimentar-se por meio da bicicleta. "A maioria agradece bastante. Você percebe na própria expressão da pessoa. Tem gente que se emociona, que diz que aquilo era um sonho de 20, 30 anos atrás", acrescenta.

Segundo o instrutor voluntário, tão importante quanto saber se deslocar é respeitar as leis para uma convivência segura no trânsito. "É bom ter noção da melhor forma de se posicionar nas vias. O ciclista escolhe ruas mais calmas, vias com ciclovia ou ciclofaixa".

De acordo com informações da Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), Fortaleza detém 257,5 km de infraestrutura cicloviária, dos quais 105,9 km são de ciclovias (estrutura separada dos carros), 147,5 km de ciclofaixas (faixa exclusiva para bicicletas), 4 km de ciclorrotas e 0,1 km de passeio compartilhado.

Já o sistema de compartilhamento de bicicletas, o Bicicletar, inaugurado em 15 de dezembro de 2014, possui 80 estações e possibilitou, até o último 10 de maio, 2.512.937 viagens, reduzindo a emissão de 910 toneladas de gás carbônico, conforme a Pasta.

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