Sinal sempre amarelo

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br
Legenda: Já me perguntei se os caras que param ao meu lado no semáforo também analisam cada centímetro do "veículo" de outros homens.
Foto: Foto: João Luís

Segunda-feira, sete da manhã, avenida Domingos Olímpio. Pico do horário, do estresse e das sinaleiras que nunca ligam. Da vez ao outro que nunca se dá, da ciclofaixa que sempre se invade, da gentileza que quase nunca se vê. Das buzinas. Muitas, estridentes, desnecessárias, enlouquesurdecedoras. O trânsito de Fortaleza - do Brasil todo, provavelmente - é a caricatura do pior da gente. Do egoísmo, da má educação, da pressa e do caos. Do machismo.

É, não poderia ser diferente: como tantos ambientes, pras mulheres, o trânsito é uma selva. Somos presas constantes nos esgueirando entre carros e violências que se engarrafam. E ainda dizem que nós ao volante é que somos "perigo constante". E ainda acham, movidos pelo combustível da desigualdade de gênero estrutural, que não deveríamos sequer estar ali, nas vias, sob duas, quatro ou mais rodas. Perigo constante mesmo, diário, é o que nos ronda. Risco é companhia cativa no banco do passageiro ou na garupa da motocicleta.

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Viária de Fortaleza, divulgado essa semana, as mulheres representaram "apenas" 21,8% das vítimas feridas e 16,8% das mortes em acidentes durante 2018. Mas os números só dão conta dos danos físicos. Não são capazes de mensurar os abusos simbólicos que percorrem as ruas, avenidas, olhos e gargantas da cidade, colidindo e destruindo a frente da nossa segurança.

Já me perguntei, inúmeras vezes, se os caras que param ao meu lado no semáforo vermelho também analisam cada centímetro "do veículo" de outros homens. Ou se a escaneada geral com o olhar só acontece porque sou eu, ali, mulher, exposta, de short ou de calça ou com qualquer roupa que seja.

Será que esses caras se sentem no direito de puxar papo, enquanto o sinal não abre, e perguntar a outro homem o ano da moto dele, onde comprou, em quantas parcelas, que combustível usa, tudo isso enquanto tratam de decorar cada centímetro de algo entre o banco do veículo e o guidão? Quantos homens já foram "ensinados" por outros, em pleno trânsito de 18h, sobre como fazer uma conversão corretamente? E, além disso, quantos dos pilotos se sentem desconfortáveis ao parar entre outras duas motos conduzidas por homens?

Quanto às farpas da violência urbana, aliás, nem se fala, perfuram todo mundo. Mas mulher que se habilita na categoria A, permissão pra conduzir motocicletas, é que sempre escuta sobre vulnerabilidade, fragilidade. Fraqueza, até. Homem não. Homem tem de ser alertado é sobre andar devagar, com mais prudência e menos afobação.

Faz pouco mais de um ano, foi em junho de 2018, que as mulheres da Arábia Saudita conquistaram o direito de dirigir. 2018. Dois mil e dezoito. Era o único país do mundo que ainda as proibia. E se pra nós, brasileiras, cearenses, essa luta já parece trafegar em sinal quase sempre verde, pra elas, saiu agora do vermelho. Mas é preciso reconhecer que alguma coisa entre nós todas, seja aqui, seja lá, ainda requer voz. Exige sempre atenção.

Porque para a mulher, no trânsito - ou no ônibus, em casa, no hospital, na igreja, na rua, no mercado de trabalho? na vida! -, o sinal está sempre, sempre amarelo.

 

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.