Silêncio na serra

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br
Legenda: Cidade serrana de pouco mais de 20 mil habitantes vive dias mais quietos
Foto: Foto: Kid Junior

Para quem gosta de comparação, eu não diria que uma cidade seja selva de pedra. Para mim, ela está mais para bicho, porque umas engolem, outras são engolidas. Uruburetama é um meio termo, abocanhada por serras verdejantes de todos os lados, mas insistindo em se fazer de forte para evitar a deglutição. Pequena, se bicho fosse, poderia ser prato cheio para as aves de rapina que lhe dão nome, no idioma indígena. Mas urubu mesmo, daqueles pretos até o bico e que saltitam procurando por nacos de carniça, vi pouquíssimos nos dias que passei por lá.

No trajeto, me preparava para seguir o fogo consumindo a linha de pólvora rumo ao barril de explosivos, como nos antigos filmes de faroeste. O que encontrei foi uma cidade em cacos, tentando se recuperar do abalo sísmico sofrido na última semana – depois de três décadas levando algumas sacudidas, reconhece. As construções estão intactas, sólidas sobre as ladeiras que serpenteiam pelos bairros e põem em xeque o fôlego dos menos preparados; mas os habitantes, estes, sim, estão num limbo. E silencioso.
Pouco se escuta nas ruas além do trinar das motocicletas que vêm-e-vão a todo instante, quebra-galhos para adolescentes, mulheres e até idosos, ou de uma oferta ou outra gritada por comerciantes mais ousados do Centro. O caminhar da maioria é sem pressa, quieto, introspectivo, conveniente ao marasmo das férias de julho. Para o olhar de fora, reflete sobre fatos do passado, relatos que já escutaram e/ou descreditaram, dúvidas quanto ao futuro. Poucos, contei nos dedos, se arriscam a altear a voz e dar algum comentário menos lacônico.

Acho que, no fundo, todos se sentem parte da mesma família de quase 22 mil pessoas, encerradas num pedaço de terra que pode ser percorrido, de uma ponta a outra, em menos de dez minutos. Prova disso é que os endereços dos pares são conhecidos (“mora ali por trás da Igreja”), assim como parentescos ascendentes e descendentes (“é o fulano filho da sicrana”) e vínculos empregatícios (“é o beltrano que trabalha de mototáxi”). Com o escândalo, não seria diferente. Todos sabem. Mas, agora, em nova proporção, porque quem antes ficava em silêncio não mais se calou. Veio o terremoto, perderam o chão. Sentiram-se família traída.</CW>

Nesses últimos dias, há algo de nervoso nos bons-dias apressados, nos sorrisos cedidos, nas prosas de praça pública que apenas ensaiam as verdadeiras gaitadas cearenses. Os olhos, eles revelam tudo. Curiosos quanto a nós, praticamente estrangeiros de um País a R$ 13 de distância que se deram ao trabalho de vencer a principal estrada de acesso à cidade, em frangalhos após a quadra chuvosa; ao mesmo tempo que temerosos por uma possível devassa em seu passado recente, uma ameaça ao equilíbrio e ao bem-estar social.

Não sei quanto tempo tomará para que o vento volte a levar as palavras dos uruburetamenses para além das montanhas de bananais dos quais eles tanto se orgulham, cujas pencas frondosas empanturram a economia local. Nem em quanto tempo a “Princesinha da Serra”, seu apelido carinhoso, voltará a confiar em alguém que queira tocá-la. Desta vez, com uma mão simplesmente solidária.

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