Sete das 20 cidades com praias marítimas do Ceará gerem própria orla

Dos municípios que dispõem de região costeira, um em cada três tem autorização da Secretaria do Patrimônio da União para tomar decisões a fim de implementar ações e projetos nas faixas de praia

Escrito por Felipe Mesquita , felipe.mesquita@svm.com.br
Legenda: Todo o litoral de Fortaleza tem gestão própria, à exceção da Praia do Futuro
Foto: Foto: Nilton Alves

Desde a implementação da lei nº 13.240, de 30 de dezembro de 2015, que autoriza a transferência da gestão de praias urbanas, 7 dos 20 municípios com praias marítimas do Ceará conseguiram o Termo de Adesão à Gestão das Praias (TAGP). A mudança, que submete gestores a novos desafios, é pleiteada por outras cidades cearenses.

A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) deixou de gerir a região costeira somente em julho de 2017, quando foi publicada a portaria nº 113. Quando equiparado aos nove estados do Nordeste, o Ceará acumula o maior número de praias cedidas. Alagoas e Rio Grande do Norte aparecem em segundo lugar com quatro, seguidos por Bahia e Pernambuco também empatados com duas praias. Paraíba tem somente uma praia repassada para um poder municipal, enquanto Maranhão, Piauí e Sergipe nenhuma.

Segundo a norma, praias até então controladas pela União podem ter a responsabilidade de fiscalização repassada ao município, desde que o pedido seja deferido pela SPU. No Ceará, Aracati, Acaraú, Beberibe, Caucaia, Fortaleza, Itapipoca e Jijoca de Jericoacoara têm concessões deferidas. Trairi, que fez a solicitação em maio de 2019, ainda aguarda retorno. Já Icapuí teve o recurso indeferido por não possuir praias urbanas.

Tarefas

Ao obter a autorização para gerir a praia, as prefeituras assumem a responsabilidade de fazer a fiscalização do litoral, de contratos com receitas, autorização de permissão de uso para eventos na praia, cessão de uso para quiosques e restaurantes em calçadões, como cita o coordenador do Núcleo de Gestão de Praias da SPU, André Luís Nunes.

"A principal função que diminui para União é a fiscalização por demanda. A gente passa a fiscalizar a atuação do município e não mais a de particulares. Em caso de alguma denúncia, o município é notificado para tomar alguma providência. É importante ficar claro isso, que não há intenção da União em jogar problema no município, a gente quer, através da gestão compartilhada, ter uma qualificação continuada do território", complementa o servidor.

Na prática, a municipalização da área tem avaliação positiva por parte das prefeituras. Isso porque a medida, considerada pelos gestores como um processo de "desburocratização", agiliza a tomada de decisões e dá "autonomia" ao tirar a obrigatoriedade de consultar a SPU. Ao mesmo tempo, porém, a troca de responsabilidades sobre as orlas é contestada. Especialista consultado pela reportagem argumenta que a fragilidade institucional e financeira de alguns municípios pode dificultar a gestão das praias.

Capital

A reportagem consultou as Prefeituras, mas teve respostas apenas de duas. Com exceção da Praia do Futuro e as áreas com Registro de Imobiliário Patrimonial (RIP) regulares junto à SPU, todo o litoral de Fortaleza tem gestão própria local desde o dia 4 de janeiro de 2018, conforme a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma). A Pasta justifica que a decisão de pedir a concessão da orla da Capital surgiu a partir da necessidade de reordenar comércio, shows e eventos que acontecem na área, podendo autorizar, licenciar e fiscalizar atividades desenvolvidas na região.

"A transferência garante a autonomia de gerenciar o seu território e, assim, orientar o uso e ocupação do solo, possibilitando o planejamento e a execução de ações previstas nos diversos planos municipais para a área, dando celeridade aos processos e procedimentos nas praias marítimas", disse a Seuma, por meio de nota.

Em Caucaia, na Região Metropolitana, a liberdade de implementar projetos nos 44km de orla agilizou a execução de serviços. De acordo com o secretário de Cultura e Turismo, Paulo Guerra, descentralizar a gestão beneficiou, sobretudo, a rede de hotelaria e gastronomia que compõe a cadeia produtiva do turismo na região das praias do Parque Leblom, Iparana, Pacheco, Icaraí, Tabuba, Cumbuco e Barra do Cauípe.

Se antes conseguir permissão para realizar eventos na praia era tido como um "processo burocrático", depois da transferência de gestão, o secretário diz que as ações estão mais céleres. "A Praia do Cumbuco, por exemplo, sediou agora a 7ª etapa do campeonato de kitesurf. Nós coordenamos tudo e tivemos juntos com a Capitania dos Portos, autorizamos e emitimos a anuência para que fosse instalada uma arquibancada, um centro de transmissão de imagens colocado na área da União. Essa estrutura só poderia ser colocada se antes tivesse autorização da SPU".

Além disso, Paulo Guerra informou que a Prefeitura conseguiu autorizar três empreendimentos do Cumbuco a construírem um tablado para ter música ao vivo na orla, mas com uma restrição. "É uma anuência de natureza temporária. Não pode ter construção de alvenaria de natureza definitiva, somente aquela de madeira que seja móvel, com capacidade de ser desmontada". Outro ganho, aponta o gestor, foi a recuperação emergencial de um trecho na Praia do Icaraí atingido pela maré alta "sem aguardar a burocracia da área superior (SPU)", finaliza.

Para o professor Marcelo Soares, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará, a escassez de recursos nas prefeituras é um fator que influencia na cobertura da fiscalização das praias. "Muitos municípios são fragilizados do ponto de vista financeiro, e por isso, é normal que eles tenham secretarias de meio ambiente mais fragilizadas, e tenham menos recursos para executar políticas em relação ao gerenciamento costeiro, desde a execução de obras, de fiscalizações a auditorias", opina o especialista, que também julga baixa a quantidade de servidores da área ambiental nos municípios para atuação.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.