Seduc: reforma no ensino médio é um grande retrocesso

As mudanças anunciadas pelo Governo Federal ontem repercutiram entre especialistas e alunos

Escrito por Renato Bezerra Repórter/ Colaborou Emanoela Campelo ,
Legenda: Entre as críticas às alterações propostas, está a falta de discussão. Outro ponto polêmico é a ausência de formação humana
Foto: FOTO: FABIANE DE PAULA

Pouco mais de 24 horas do anúncio da Medida Provisória (MP) de nº 746, que redefine algumas diretrizes do ensino médio em todo o País, as reais resoluções do novo modelo de educação ainda geram dúvidas entre estudantes, professores e especialistas da área, que pedem mais discussão em torno do processo. A Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), que concentra mais de 400 mil estudantes em sua rede, avalia a medida como um grande retrocesso na educação brasileira. Sobre a reforma, o secretário de Educação do Estado, Idilvan Alencar, tece duas considerações iniciais.

A primeira é a de que mudanças por meio de Medida Provisória não são adequadas, uma vez que, assim, se eximem de ouvir os principais atores do processo. "O debate é fundamental e indispensável. Pular esta etapa pode trazer problemas sérios para o setor". A segunda trata do conteúdo. Uma escola, segundo defende, não deve se preocupar apenas com o desempenho do aluno, mas também com sua formação integral. "Acredito naquela que investe numa cultura de paz, respeito às diferenças, cooperação, uma escola plural".

O secretário questiona, ainda, a qualidade do professor, criticando a possibilidade do ensino sem a formação e capacitação para ministrar a disciplina. Para o gestor, classificar disciplinas como Filosofia e Sociologia como optativas também é um passo para trás. "A formação do pensamento crítico, do cidadão integral está em xeque com essas mudanças, sem falar que o Estado investiu muito na capacitação de sua rede, tendo conseguido avançar e ser destaque para o Brasil".

O que se pode tirar de positivo nesse contexto, na visão do mestre em Educação Marco Aurélio Patrício, é o alerta à sociedade de que o ensino médio precisa mudar. "A ideia de fazer mudança é positiva, discutir um ensino em tempo integral é extremamente positivo, assim como fazer o aluno ficar mais tempo na escola é um avanço. Trazer à tona a discussão sobre o currículo nacional, pensar num mais enxuto, inteligente e mais motivador é um avanço".

Discussões

Para o especialista, no entanto, é preocupante o fato das mudanças estarem em andamento por meio de uma Medida Provisória, em detrimento de grandes discussões nacionais. Segundo atribui, outro ponto negativo diz respeito à falta de clareza quanto ao ensino profissionalizante, o que pode resultar em um modelo desigual por parte das escolas públicas e privadas. "Ele aparece como opção, ficando a critério dos estados como fazer nas escolas. Estamos correndo o grave risco das escolas privadas mudarem o ensino médio, mas continuarem ensinando o conhecimento universal e as públicas priorizarem o ensino profissionalizante, com o objetivo de formar o trabalhador. Assim passamos a ter um sistema dualista, onde o filho do rico passa a ter grandes conhecimentos humanos e o do pobre é treinado na escola apenas para trabalhar. Isso é um grande retrocesso. Estamos voltando à década de 40, como acontecia na Europa nessa época, é o famoso ensino científico".

O professor sugere que o governo abra o diálogo em todos os níveis pra pensar coletivamente se o caminho a seguir é o que foi proposto. A professora do Núcleo de Avaliação Educacional da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Adriana Eufrásio Braga, engrossa o coro. Para ela, o reforço do ensino de forma integral é um ponto positivo, desde que se tenham condições necessárias para que todas funcionem a contento.

Quanto a não obrigatoriedade de parte das disciplinas, a professora acredita no enfraquecimento da formação do estudante, em especial o de escola pública. "Fragiliza muito a preparação do aluno, pois ele vai perder o contato com as disciplinas que, de alguma forma, promovem uma visão de mundo. A proposta da profissionalização também não está clara. Não se sabe se teremos propostas que vão ao encontro do aluno, ou se ele ficará a mercê do que estiver à disposição. Se for assim, limita muito mais a formação do aluno".

No que se refere ao professor em sala de aula por meio do "notório saber", quando dispõe de conhecimento popular, mas sem a formação em licenciatura, a especialista teme por gerar lacunas na Educação. "Eu acredito ser imprescindível que o professor tenha uma formação pedagógica, didática. Apesar de ele ter o conhecimento da parte técnica e profissionalizante, ele precisa se qualificar no âmbito pedagógico", avalia.

Estudantes

A repercussão entre estudantes e professores do ensino médio do Estado também apresenta pontos negativos. Aluna da Escola de Ensino Médio Adauto Leitão, na Capital, Isadora Vieira, 16, acredita na Sociologia e Filosofia como disciplinas essenciais para a definição do senso crítico no período da adolescência. "É preciso ter essas disciplinas porque nem todos têm esse senso crítico bem definido. As pessoas não saberão pensar se não tiverem o conhecimento necessário. Eu tive essas disciplinas e sei que é importante", defende.

A professora da rede municipal e estadual, Maria de Melo Oliveira, por sua vez, teme o que está a vir com o passar dos anos: "É triste saber que o conhecimento não interessa mais tanto. Muita coisa podia ser acrescentada e aperfeiçoada, mas estão tirando isso. Existe um vasto mundo a ser descoberto e o cidadão vai ficar na obscuridade. É preciso priorizar a educação. Nós, professores de formação, queremos dividir nossos saberes. Não queremos que retirem, mas que acrescentem e qualifiquem".

Já para o docente da rede estadual, Otacílio de Sá Pereira, a decisão mostra um descrédito da atual gestão com relação à Educação. Segundo diz, "eles justificam a contratação de professores do notório saber com a falta de profissionais, ao invés de fazer com que os jovens se interessem pela profissão. Mudam uma estrutura importante com o ensino médio sem sequer discutir com a sociedade".

Falência

Em nota, o Sindicato dos Professores e Servidores da Educação e Cultura do Estado e Municípios do Ceará (Apeoc) considerou a recente reforma do ensino médio um retrocesso para a qualidade da formação básica dos jovens, assim como para as relações de trabalho dos profissionais da Educação.

"Esta reforma é um golpe na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e na Constituição de 1988, que garantem a universalização do Ensino Médio. O discurso do governo tenta convencer a opinião pública sobre a falência desse nível de ensino. Diante da crise, a salvação proposta é aumentar a carga horária e, em contrapartida, eliminar disciplinas fundamentais para a formação humana", diz a nota. 

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O QUE ELES PENSAM

Como você avalia as mudanças?

Eu vi que eles tinham tirado algumas disciplinas. Fiquei triste e conversei sobre isso com minha mãe. Essas disciplinas são essenciais para a nossa formação crítica. Tem gente que chega no ensino médio sem ter tido uma boa aula de sociologia ou filosofia, que faz a gente ter senso do que acontece. Minha mãe disse que eles não querem que a gente tenha senso crítico.

Sheryda Maia Leitão Linhares

Estudante

Achei um desrespeito aos estudantes das escolas públicas. Quando retiram essas coisas da grade curricular, retiram direitos. O Governo devia acrescentar. Quando retira torna a coisa mais frágil ainda. O professor se especializa para dar aula, para passar um conhecimento, quando isso não acontece, é mesmo que dizer que a gente não merece um profissional especializado.

Maria Vitória Silva Cardoso

Estudante

Não proporcionar um saber para estudantes de ensino médio é continuar produzindo um País com seres que não sabem apreciar a arte. Os estudantes fazerem opções é maravilhoso, mas para o estudante optar, ele precisa ser informado. A gente não pode tomar decisões de forma arbitrária. O processo de mudança do currículo do ensino médio tem que vir do diálogo.

Henrique Gomes de Lima

Professor

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