Registros de má-formação congênita em bebês crescem 20% no CE

Após a epidemia de zika vírus no Brasil, com casos de microcefalia, outras más-formações passaram a ser estudadas. Mães, entretanto, alertam para dificuldades em encontrar profissionais capacitados sobre o assunto

Escrito por Redação ,

O ano era 2015. Até então pouco conhecido por especialistas da área da saúde, o zika vírus se alastrou rapidamente e foi responsável pelo nascimento de milhares de crianças com microcefalia, uma má-formação congênita capaz de impedir o desenvolvimento próprio das funções cerebrais e motoras. Desde então, nos últimos quatro anos, houve crescimento de 20% na identificação de outras más-formações no Ceará, segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz Bahia. O número representa uma atenção mais dedicada ao assunto, mas ainda há barreiras a superar.

No Estado, nasceram 163 bebês com esta condição, após as mães contraírem zika vírus na gestação, de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). Com a "nova doença", mulheres temiam pela saúde dos filhos durante a tão sonhada maternidade. É o caso de Eliseuda Ferreira, 36. A notícia de que ia ser mãe da pequena - e frágil - Lara Sofia, de três anos, chegou em 2016 acompanhada de dor. Mas o amor de mãe prevaleceu e deu forças para a cearense lutar. Após o choque inicial, uma rotina de tratamentos intensivos, fisioterapia e até cirurgias garantiram uma melhora perceptível em Lara.

"Hoje ela consegue rolar no chão, levanta o pescoço sozinha e segura o tronco. Ela também já presta mais atenção nas coisas e com ajuda consegue dar uma passadas. Agora ela não fala, mas consegue interagir no grito. Consegue reconhecer vozes e sorri quando percebe", conta Eliseuda, com emoção e orgulho na voz de quem um dia pensou que ia perder a filha. Com muito esforço e esperança, Eliseuda sai todo dia do conjunto habitacional Cidade Jardim 2, no Bairro José Walter, e leva Lara a sessões de fisioterapia e acompanhamento médico e pedagógico. Uma das fisioterapias só foi conquistada na Justiça, quando o plano de saúde não quis arcar com o tratamento, ao custo de R$ 17 mil. Isto é possível devido a um cenário que continua preocupante, mas está evoluindo, embora a passos lentos.

A pesquisa da FioCruz Bahia, desenvolvida pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidas), concluiu que, depois que os cenários de medo de quatro anos atrás - resultantes do avanço dos casos de Zika -, um alerta se acendeu no País e a identificação de outras doenças congênitas, além da microcefalia, aumentou.

De acordo com Moreno Rodrigues, pesquisador em saúde pública do Cidas e um dos autores da pesquisa, um dos motivos apoia-se na comoção criada pelo surto. "Durante a epidemia, a maioria dos agentes de saúde se comoveu com a imagem da criança com microcefalia. O impacto causado na mães e na vida de todos os profissionais que acompanharam fez com que se sensibilizassem. Na ânsia de querer ajudar, acabou se descobrindo a notificação de outras más-formações", explica.

Para Rodrigues, este descobrimento foi um saldo considerado "positivo" de toda a dor causada pelas doenças. "Na rotina, a coisa fica muito mecânica e aí algumas anomalias passavam despercebidas. De uma maneira geral, depois de uma crise dessas como a epidemia, algumas coisas pequenas ficam mais evidentes. A tendência é que o sistema de informações de saúde melhore com o tempo.

Alerta

Conforme o neurologista do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) André Luiz Santos, antes da epidemia de zika vírus, alguns aspectos do recém-nascido eram negligenciados, o que criava uma subnotificação dos casos. "Com certeza havia um descuido e uma diminuição de atenção que deveria se dar para dados físicos como a medida do perímetro cefálico do bebê e também desatenção para alguns sintomas. Após o surto, houve uma maior atenção a essas medidas e observação clínica de más-formações. Hoje isso é mais bem detalhado", pondera o médico.

Cuidado

Apesar da aparente evolução de diagnóstico, mães de crianças com má-formação congênita alertam para a formação de médicos. Eles são totalmente dependentes dos parentes. É o que conta Maria Rosa Barbosa Sousa, 37.

"Não são todos os médicos que estão preparados. Uma vez um pediatra não nos atendeu porque disse que não sabia lidar com esse tipo de problema. Eu já cheguei a passar por cinco médicos só para conseguir atendimento. É sempre muito difícil conseguir um acompanhamento médico", relata. Rosa é mãe do pequeno José Gabriel, de apenas dois anos, que tem microcefalia.

Eu soube no quinto mês de gestação que meu filho ia ter microcefalia. Os médicos perguntaram se eu queria interromper a gravidez, porque meu filho iria vegetar. Ele não ia ser uma criança normal, mas eu bati o pé e fui até o final. Hoje, graças a Deus, ele está bem melhor

Com muita luta, ela consegue pagar um plano de saúde para Gabriel, para garantir mais avanços em seu quadro de saúde. Mas, ela relata que "tudo para uma criança como o meu filho, é difícil de conseguir, é uma burocracia".

Outra mãe, que prefere não se identificar, tem um filho com paralisia cerebral e hidrocefalia, problemas adquiridos durante o parto após perda de muito líquido amniótico afirma que já "brigou muito" com profissionais de saúde que se recusavam a atender seu filho. "Foi muito difícil a descoberta. É um momento de luto, né? Você idealiza o filho perfeito, é o que todo mundo pensa. Ele passou três meses internado, tem um atraso cognitivo grave e hoje está com dois anos e 7 meses", acredita.

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