Questões de gênero e renda aumentam abandono escolar feminino

Além das condições socioeconômicas, mulheres são rendidas por violências, abandonam as salas de aula e têm inserção no mercado de trabalho dificultada

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br

A transição entre os ensinos fundamental e médio é, em geral, uma das grandes mudanças da fase adolescente - mas para Wanessa Freitas, 21, as portas da sala de aula se fecharam antes mesmo do encerramento da primeira etapa. Aos 15, a atual dona de casa abandonou os estudos por quatro anos para cuidar do filho recém-nascido, ficando longe da educação formal e integrando a parcela de meninas que, rendidas por questões de gênero, deixam a escola e veem o futuro desbotar.

No Ceará, entre 2013 e 2017, 66.776 meninas e mulheres abandonaram o Ensino Médio. A quantidade correspondente a 46% do total de evasões no período. Os dados são contabilizados a partir dos censos escolares realizados pelo Ministério da Educação (MEC) e revelam ainda que a idade mais crítica para o abandono é a de 17 anos - faixa etária em que quase 15 mil pessoas do gênero feminino se ausentaram das salas de aula.

À época estudante de uma escola particular de Caucaia, Wanessa teve a adolescência interrompida ao se tornar mãe de Matheus, hoje com 6 anos, que nasceu aos seis meses de gestação e precisou concentrar todas as atenções da genitora. "Meu filho requeria cuidados que eu não confiava em deixar na mão de outra pessoa. Quando ele ficou maior, comecei um supletivo, mas parei de novo. Tinha aula todo dia em Fortaleza, não dava pra mim", relembra. Em março deste ano, a dona de casa driblou as dificuldades, recomeçou os estudos e, atualmente, cursa o equivalente ao 1º ano do Ensino Médio em uma escola estadual da Região Metropolitana.

Atualmente, a caucaiense figura entre os 48.094 cearenses que estavam, em 2017, com três anos ou mais de atraso na vida escolar, problema denominado como distorção idade-série, de acordo com o Censo Escolar 2017, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Causas

Segundo o chefe de Educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Ítalo Dutra, a gravidez precoce ocupa o quarto lugar entre as causas de evasão escolar feminina no País, seguida por razões como abuso ou violência sexual, casamento infantil e trabalho doméstico.

Este último, aliás, "é uma desvantagem delas e acentua a cultura predominantemente machista da sociedade, que precisamos trabalhar melhor", segundo pondera Ítalo, apontando para uma consequente penalização "natural" sofrida pelas mulheres diante desse cenário. "Já temos evidências para confirmar que estar fora da escola é estar mais vulnerável a uma série de violências, como homicídios e violação de direitos. Especificamente para as meninas, a gravidez e todas as questões que envolvem menor escolarização aumentam a possibilidade de um ingresso precário no mercado de trabalho e de uma profissionalização não adequada - o que impacta diretamente na renda das famílias, muitas delas lideradas por mulheres", avalia.

Na avaliação do titular da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), Rogers Mendes, a raiz dos casos de evasão escolar está associada à não aprendizagem. "Quando não se garante alfabetização para todos, aqueles que não conseguem o desenvolvimento da leitura e da interpretação têm muito mais dificuldade de levar os estudos à frente".

Em relação às adolescentes e jovens, porém, o secretário aponta fatores relativamente recentes e agravantes para o abandono. "Outros indicadores que não os educacionais estão tirando as meninas da escola. Os problemas de renda e da criminalidade revelam que elas não estão mais sendo protegidas para ficar afastadas de atividades como o uso de drogas, por exemplo. Antes, isso atingia mais os meninos. Agora, o público feminino tem se aproximado dessas situações", lamenta o secretário.

Além dos fatores socioeconômicos, o chefe de Educação do Unicef, Ítalo Dutra, chama atenção para um problema interno das escolas como sendo determinante para a evasão, independentemente do gênero, e observa ainda a necessidade de olhar para esta problemática de forma multisetorial.

"Currículos mais conectados com as demandas de aprendizagem dessas meninas precisam ser pensados. A escola está pouco ligada às necessidades globais delas e, portanto, pouco interessante", argumenta Ítalo.

Segundo a Seduc, uma análise do perfil dos estudantes que abandonam a escola tem sido elaborada no Ceará - considerando fatores como gênero, cor, renda e desempenho, com o objetivo de "trabalhar na busca ativa dos que não estão matriculados".

Medidas

À frente das iniciativas governamentais, o Unicef realiza nos municípios brasileiros o projeto Busca Ativa Escolar, cuja intenção é identificar, mapear e matricular crianças e adolescentes em idade para estudar em escolas regulares, e que estão fora das escolas.

De acordo com o chefe de educação do Fundo, 164 municípios cearenses já aderiram ao projeto, incluindo Fortaleza, e estão em diferentes fases. A maior parte das adesões, segundo Ítalo, aconteceu entre maio e junho deste ano. Por meio de agentes de saúde e "outras equipes das quais as cidades já dispõem", mais de 2 mil crianças e adolescentes em situação de evasão já foram identificadas. A Seduc ainda não aderiu oficialmente ao projeto.

O titular da Secretaria, Rogers Mendes, justifica que "a contratação das pessoas que vão andar nas casas" para levantar a quantidade de alunos fora da escola atrasou devido às "limitações impostas pelo período eleitoral", mas que o projeto "Nem um aluno fora da escola", lançado em abril deste ano, "visa justamente uma parceria com a Unicef".

No Ceará, entre 2013 e 2017, 66.776 meninas e mulheres abandonaram o Ensino Médio

Na idade mais crítica,17 anos, quase 15 mil pessoas do gênero feminino saíram das salas de aula

261.934

cearenses estão atrasados nos estudos. Do número total de estudantes das redes municipal e estadual que estão em distorção idade-série no Ceará, 103.577 são mulheres, o correspondente a 39,5% do total.

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