Produção de remédios com plantas medicinais dobra em Fortaleza

Os quatro mil frascos de diversas fórmulas terapêuticas produzidos em 2015 aumentaram para 10 mil, no ano passado, segundo a Secretaria Municipal de Saúde; remédios "naturais" servem às saúdes física e mental

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Plantas usadas para remédios da rede municipal são do Horto da Prefeitura
Foto: Foto: José Leomar

Para problemas digestivos, chá de boldo. Para náuseas, chá de canela. Para acalmar e dormir bem, chás de camomila, alfazema ou cidreira. Para queimadura, o gel da babosa. Para tosse incessante, chá de alho. A lista de remédios testados e indicados pela sabedoria popular acompanha gerações, principalmente no interior do Ceará. Na Capital, aliadas à ciência da fitoterapia, as plantas medicinais têm sido ano a ano mais utilizadas na produção de medicamentos, que cresceu 150% entre 2015 e 2019.

De acordo com Magno Sampaio, titular da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica de Fortaleza (Coaf), a cidade produzia, há cinco anos, uma média de 4 mil frascos de fitoterápicos, entre janeiro e dezembro. No ano passado, o número mais que dobrou: ao fim de 2019, cerca de 10 mil frascos das substâncias terapêuticas foram produzidos na Farmácia Viva Lúcia Gurgel, laboratório utilizado pela Prefeitura de Fortaleza para elaborar os fármacos.

Atualmente, cinco tipos de fitoterápicos estão disponíveis à população: xarope de chambá, com propriedade expectorante; elixir de cidreira, utilizado inclusive nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) como auxiliar no tratamento de transtornos mentais; tintura e sabonete de alecrim, ambos usados para tratar micoses e outros problemas de pele; e pomada de confrei, útil para cicatrização de ferimentos, comumente receitada a pacientes diabéticos.

Eles são distribuídos no Núcleo de Atenção Médica Integrada (Nami) da Universidade de Fortaleza e nas farmácias de postos de saúde da cidade, em diversos bairros, como: Anastácio Magalhães, no bairro Rodolfo Teófilo; Alarico Leite, no Passaré; Edmar Fujita, no Dias Macedo; Frei Tito, no Caça e Pesca; Gutemberg Braun, no Vila Peri; Luiz Costa, no Benfica; Matos Dourado, no Edson Queiroz; e José Paracampos, no Mondubim; além do Centro de Diabetes, no Dionísio Torres; e no Caps Geral, no Jardim América. Para ter acesso aos medicamentos, reforça Magno, é necessário prescrição médica.

Efeitos

De acordo com Luciana Passos, médica e gestora do Posto de Saúde Aida Santos e Silva, no bairro Vicente Pinzón, a prescrição de "remédios" à base de matéria vegetal tem sido comum na atenção primária. "São medicamentos bem aceitos pela população. Receitamos principalmente para infecções respiratórias e como ansiolíticos, para questões de ansiedade. Temos plantas que atuam bem nessa parte, e se tornam melhores opções do que receitar fármacos de tarja preta", pontua.

A médica explica que "existem muitas vantagens" no uso de fitoterápicos, sobretudo "em relação aos efeitos adversos e interações entre medicamentos, comuns nos alopáticos, os que utilizamos normalmente". "Isso representa um ganho grande, principalmente em relação aos idosos, que em geral utilizam muitos medicamentos", frisa.

O posto gerido por Luciana é uma das unidades básicas de Fortaleza que contam com horta própria, disponibilizando plantas, ervas e outros insumos à comunidade, que contribui também para manter o espaço. "A horta é uma ação conjunta dos próprios profissionais, que foram capacitados para montá-la. Recebemos mudas do Horto Municipal e passamos a plantar. Na manutenção, contamos com a própria comunidade. Fazemos eventos, utilizamos nossas próprias plantas para chás, sucos, lambedores, e ofertamos. Eles trazem os conhecimentos deles, e nós ensinamos sobre como higienizar e utilizar melhor as plantas".

A produção de medicamentos que tanto cresceu em cerca de cinco anos, na cidade, poderia ser ainda maior, como analisa o titular da Coaf, mas para universalizar o acesso aos fitoterápicos, é necessário respeitar o tempo da natureza. "A demanda por eles é crescente, nossa ideia é colocar em todos os postos de saúde. O que nos limita é a produção da planta, que tem o tempo da poda, a atenção climática. Nosso laboratório consegue produzir uma quantidade até superior, o nosso problema hoje é a quantidade de produção da matéria vegetal", reconhece Magno.

Todas as plantas medicinais utilizadas na produção medicamentosa da rede municipal são cultivadas no Horto Florestal, no bairro Passaré. Além dele, a população pode ter acesso às matérias-primas em 34 hortos comunitários, cuja colheita é destinada exclusivamente às comunidades. "Lá, as pessoas podem até plantar outros tipos de plantas medicinais, que sejam da cultura da comunidade. Não são feitos medicamentos, e as plantas não vão para a nossa produção laboratorial. É um programa de educação permanente, de terapia, para fazer xarope caseiro, lambedor ou chá. O objetivo é ensinar e atender a população", frisa Magno.

Interior

De acordo com o Ministério da Saúde (MS), projetos de assistência farmacêutica em plantas medicinais são apoiados no Ceará, na Capital e nos municípios de Quixeré e Limoeiro do Norte, ambos no Vale do Jaguaribe; Crato, na Região do Cariri; e Horizonte, na Região Metropolitana de Fortaleza. As secretarias de saúde de cada local foram selecionadas por meio de editais da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do MS, com investimento total de R$2,4 milhões em recursos de custeio, conforme a Pasta.

"Todos esses projetos contemplam Farmácia Viva e envolvem o cultivo e a manipulação de plantas medicinais, o controle de qualidade, a dispensação de fitoterápicos e a capacitação dos envolvidos", complementa o Ministério da Saúde, órgão responsável apenas por repasses financeiros, e não dos próprios medicamentos.

Ainda conforme o Ministério, mais de 57 mil unidades farmacêuticas (as menores unidades dispensadas, por exemplo, uma cápsula) de fitoterápicos foram entregues à população cearense entre 2015 e 2019. Só em 2018, foram mais de 27,5 mil.

Entre os medicamentos mais entregues no Ceará, diz o MS, os principais são o xarope de chambá, tintura de malva-santa, cápsulas de Passiflora edulis (maracujá), pomada de confrei, creme vaginal de aroeira, xarope de guaco e comprimidos de "garra do diabo". Ao todo, o Estado conta com 58 Farmácias Vivas, e mais 24 unidades serão implantadas até o fim de 2020, segundo a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), cujo horto oficial para produção vegetal voltada à fabricação de medicamentos é o Núcleo de Fitoterapia do Ceará (Nufito).

Úteis em tratamentos para curar saúdes física e mental, substâncias fitoterápicas têm produção e demanda crescentes na capital cearense. Em cinco anos, cerca de 10 mil frascos de medicamentos foram produzidos no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde.

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