Priorizar pedestres é desafio à Capital; grupo é 2º que mais morre

Quase 40% das mortes no trânsito de Fortaleza são de pessoas fora de veículos motorizados ou não-motorizados, tornando explícita não só a imprudência de condutores, mas também a falta de prioridade aos mais frágeis

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br
Legenda: Faixas em "x" integram medidas adotadas pela Prefeitura para aumentar segurança de pedestres
Foto: FOTO: KID JÚNIOR

São 6h30 em uma avenida movimentada de Fortaleza. Quatro faixas, duas em cada sentido, são o caminho a ser percorrido até o destino. No meio dele, um retorno para os veículos. Mais à frente (o sinal vermelho), uma motocicleta costura a via entre os carros, "tirando um fino" em quem atravessa. Na calçada, a banquinha de tapioca toma o espaço - e o pedestre, encurralado. Não à toa, 39,8% das mortes no trânsito em 2018 foram deles, número que desafia a cidade a focar na prioridade e na proteção dos mais frágeis.

Entre 2008 e o ano passado, 1.428 pedestres morreram em sinistros nas vias da Capital, conforme dados do Sistema de Informação de Acidentes de Trânsito de Fortaleza (Siat). Os números anuais vêm em constante queda desde 2011, quando foi atingido o pico de mortes (171), reduzindo a 90 em 2018. Apesar disso, o caminho ainda é longo: como a própria Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP) reconhece, é necessário reverter um quadro histórico de invisibilização de quem tem o corpo como meio de transporte.

Educação

"O maior desafio é mudar o paradigma que, por décadas, norteou o planejamento das cidades e que priorizava os veículos motorizados em detrimento dos não motorizados e pedestres. Hoje, o desafio é recuperar o espaço que não se deu a eles, para garantir a esse grupo mais segurança e, assim, prevenir potenciais acidentes", declara, em nota.

O panorama que precisa ser modificado é complexo: vai desde a reforma das calçadas da cidade, atualmente despadronizadas ou ocupadas irregularmente por comerciantes ou veículos, até a reeducação dos condutores, para que se crie uma cultura de respeito ao artigo 29 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB): "os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres".

Obstáculos

Na contramão, as infrações mais cometidas em desrespeito à segurança dos pedestres, ano passado, foram parar sobre a faixa de travessia, com 39.099 registros, e deixar de dar preferência a eles ou a veículos não motorizados nas faixas, com 9.272 infrações. Conforme a AMC, a primeira é infração de natureza média, tendo como penalidade multa de R$ 130,16 e perda de quatro pontos na CNH. A segunda é gravíssima, a multa sobe para R$ 293,47 e a perda de pontos, para sete.

Para o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (DET/UFC), Mário Azevedo, o mau comportamento de quem circula nas vias, inclusive pedestres, precisa ser trabalhado - mas o grande gargalo para se obter uma cidade preparada para quem caminha é a condição das calçadas.

"Não há passeios bons quase em lugar nenhum, muitos são invadidos. A pessoa, às vezes, tem que andar na pista, se arriscando", observa, descrevendo uma situação cotidiana para a professora Rosângela Dias, 52. "As calçadas não são planas. A gente tem que dar uma carreira pela rua pra conseguir andar. É complicado", diz, endossada pela irmã, Rosalina Dias, 53. "Fora esses altos e baixos, têm aquelas tampas de esgoto lisas. Eu já escorreguei tantas vezes!", completa.

Acessibilidade

Em nota, a Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf) informa que "o trabalho de padronização das calçadas atende, principalmente, às normas de acessibilidade", e que "toda obra de requalificação viária, como a Av. Aguanambi (recém-entregue), Av. Beira Mar (em andamento) e o Polo da Varjota (a iniciar), atenderão ao padrão". Já a Agefis afirma que deve fiscalizar cerca de 70 ruas e avenidas de grande fluxo na cidade para a adequação dos passeios.

Dentre as ações municipais realizadas para mudar, gradualmente, o perfil da Capital, estão a implantação de duas Áreas de Trânsito Calmo, onde a velocidade dos motorizados é limitada a 30km/h; 45 prolongamentos de calçadas, 44 travessias elevadas e seis faixas em X, situadas em cruzamentos movimentados de bairros centrais - o único periférico que recebeu a medida foi o Conjunto Ceará, na Regional V. Outras 20 travessias elevadas estão previstas para esse ano.

Medidas

O superintendente da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania, Arcelino Lima, salienta que "em alguns momentos, o pedestre pode também ser imprudente, ao atravessar fora da faixa ou sair correndo quando o sinal fecha para ele"; No entanto, alerta que, "como ele sempre é o mais desprotegido, os veículos é que precisam adotar um comportamento defensivo, protetivo à vida".

Medidas como as Áreas de Trânsito Calmo e travessias elevadas são elogiadas pelo professor Mário Azevedo, que as aponta como sendo "o caminho".

Já outra solução estrutural, a passarela, é criticada pelo especialista da UFC, por reforçar a prioridade dada aos veículos. "Se tem muito movimento, colocam passarela. É uma penalidade grande ao pedestre. O ideal é passagem de nível com semáforo. Se o pedestre pode subir e descer rampa ou escada de uma passarela, por que o carro não pode parar na faixa?"

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.