Pessoas em situação de rua se 'espalham' pela cidade

Conforme censo feito pela Prefeitura ano passado, 248 pessoas "moram", somente, na Praça do Ferreira

Escrito por André Costa - Especial para Cidade ,

Marco Histórico e Patrimonial de Fortaleza, a Praça do Ferreira, no centro da cidade, teve sua identidade visual alterada nos últimos anos. Diversos moradores em situação de rua adotaram o local como principal ponto de estadia. Entretanto, a problemática, outrora observada somente nas áreas centrais da Capital e bairros adjacentes, hoje já pode ser notada em bairros mais afastados do centro comercial.

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Uma das razões para este processo migratório decorre do crescente número de pessoas em condições de vulnerabilidade social. O principal equipamento de atendimento a esse público, o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), recebe em média, por mês, 50 novas fichas de inscrição.

Embora não exista um levantamento atual que contemple a situação em toda a cidade, o secretário de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos e Combate à Fome do Município, Elpídio Nogueira, destaca que "visivelmente pode-se notar um salto no número de pessoas em situação de rua".

O último censo realizado pela Prefeitura de Fortaleza foi finalizado em 2014. À época, o levantamento censitário apontou 1.718 moradores de rua identificados em seis áreas da cidade. O aposentado Tarso de Oliveira Moura, 62, integra esta estatística. Há vinte anos, Oliveira vive pelas ruas da Capital cearense e, há pelo menos uma década, "adotou" a Praça do Ferreira como moradia. Segundo ele, sair de casa foi uma escolha e se "diz satisfeito" com a vida que leva.

"Eu sempre bebi. Chegou um período em que minha ex-esposa não aceitava mais e começamos a discutir bastante. Tenho dois filhos que sempre presenciavam as brigas, então decidi sair de casa e nunca mais voltei", relata. Assim como Oliveira, pelo menos outras 247 pessoas moram na praça, de acordo com levantamento realizado no ano passado pela Prefeitura. Eles recebem doações de roupas e alimentos de ONGs e pessoas que transitam pelo local.

A Coluna da Hora, símbolo inaugurado há 83 anos na Praça do Ferreira, está ladeada por diversos colchões e barracas improvisadas. Muitos moradores, no entanto, divergem do pensamento de Oliveira e sonham em "deixar essa vida". Para o juazeirense Willian Nogueira, 54, "ninguém consegue ser feliz vivendo na rua".

Ele deixou o Interior do Estado em 1987, quando se mudou para Fortaleza para trabalhar na construção civil. Um ano mais tarde, foi demitido e não conseguiu mais se inserir no mercado. "Me abati e deixei a bebida me vencer", pontua Willian. Com olhos marejados, o morador de rua conta que constantemente sofre preconceito e torce para "deixar essa vida". "Meu sonho é conseguir uma moradia e me reerguer", diz.

Crescente

Figura icônica entre as pessoas que residem na Praça do Ferreira, José de Morais Bruno, 71, conhecido como "Velho da Sopa", está fora de casa há mais de cinco décadas. Após a morte de sua mãe, no ano de 1967, seus nove irmãos decidiram vender a casa da família, deixada para herança. O dinheiro que lhe correspondia, relembra, "foi gasto com aluguel, bebida e mulheres".

Desde então, Morais passou a viver nas ruas da Capital cearense. "Muita coisa mudou nesses 51 anos que estou na rua. O primeiro ponto foi o aumento dos moradores. Antes, a gente andava pelas praças e pouco se via pessoas nessas condições. Hoje, já é preciso ir para áreas mais afastadas aqui do centro para viver. Tem muita gente nessa condição", observa.

Na Lagoa Porangabussu, no bairro Rodolfo Teófilo, quatro barracões foram armados e abrigam cerca de trinta pessoas. Já no bairro Bela Vista, entre o cruzamento da Rua Argentina e Avenida Humberto Monte, um morador se instalou no canteiro central da via. Ao lado do semáforo, ele "montou" sua própria moradia. Papelões e lonas foram transformados em paredes e colchões amontoados formando a cama de Marcos Fabiano Lopes Lima, 43, que há 11 vive nas ruas de Fortaleza. A presença do morador de rua naquele trecho, no entanto, tem causado desconforto em parte dos moradores.

O comerciante Francisco Ferreira diz que o movimento em seu estabelecimento comercial caiu bastante nos últimos meses. "Ele não mexe com ninguém, mas faz suas necessidades na rua e acaba criando um mal-estar, além de afastar os clientes", critica Ferreira.

Para minimizar essa problemática, as pessoas em situação de rua contam com alguns equipamentos de suporte. No Centro da cidade, estão instalados dois Centros Pop e uma Pousada Social. Para Elpídio Nogueira, o crescimento dos moradores de rua decorre de fatores tais como a crise financeira do país e a violência de facções criminosas. "A extrema pobreza e a falta de emprego refletem no número de pessoas que migram para as ruas. Outro fator que temos observado são as guerras entre facções. Estes criminosos expulsam as pessoas de suas comunidades e estas não têm para onde ir", explica o secretário.

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