Pesca em lagoas é praticada sem garantia de qualidade das águas

Comum em Fortaleza, pesca urbana garante o sustento de famílias ou representa lazer para praticantes. Porém, qualidade da água é questionada por especialistas e ameaça a saúde de quem se arrisca na atividade

Escrito por Bárbara Câmara , barbara.camara@diariodonordeste.com.br
Legenda: Arnaldo Nunes pesca na Lagoa da Messejana há 10 anos, apenas para consumo próprio e de sua família, três vezes por semana.
Foto: FOTO: NATINHO RODRIGUES

Em uma capital banhada pelo mar, com infinitas possibilidades, principalmente, para pescadores, questiona-se o porquê de alguns voltarem suas redes e varas de pesca para 'universos' menores, como lagoas e canais espalhados por Fortaleza. Para Arnaldo Nunes, 48, a resposta é simples e direta: "não gosto de peixe de água salgada". Apesar de comum, a pesca urbana é praticada em reservatórios hídricos cuja qualidade e adequação para a pesca não são comprovadas.

Para saber quais reservatórios são próprios para a prática, a reportagem procurou a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) e a Secretaria do Meio Ambiente (Sema). As pastas informaram que não possuem tais informações.

Quando trabalhava como carpinteiro, Arnaldo visitava a Lagoa de Messejana uma vez por semana, apenas para recolher o bastante para um almoço da família. Agora, desempregado, ele dedica algumas horas para a pesca no local três vezes na semana, pelo menos. "Dia de domingo aqui é disputado, mas ninguém sai sem peixe. Dá pra pegar quase uns 10 quilos", relata.

Mesmo sem tanta certeza, Arnaldo diz com confiança que a água da lagoa não é poluída, apesar da possibilidade do descarte irregular de dejetos, que acomete reservatórios hídricos em toda a cidade. A preocupação não o abala, já que "a água mais abençoada que tem é essa aqui". Segundo ele, alguns homens chegam a passar a madrugada pescando no local.

Já na Lagoa da Parangaba, o comerciante José Soares, 67, iniciou sua história como pescador há 25 anos, na praia, com ensinamentos passados por seus pais. "Vim pra lagoa porque cansei de pescar no mar", admite. Ele, por sua vez, garantiu que a prática se perpetua através de seu filho, hoje com 30 anos, que opta por pescar em açudes.

Riscos

"Aqui não tem dificuldade pra pegar peixe. O pessoal bota muito lixo. Limparam um dia desses e já 'tá' sujo de novo. Aqui podia ser melhor zelado", afirma.

Para Antônio Josenir, 50, a pesca é praticada como lazer. "É um esporte que eu gosto", afirma, enquanto tentava reunir peixes com sua tarrafa na Lagoa do Mondubim, onde, segundo ele, muitos pescadores se reúnem para garantir o almoço ou jantar do dia. A prática conduzida em reservatórios hídricos naturais, contudo, pode representar um grave risco à saúde, não só para pescadores, mas para quem consome alimentos extraídos da água potencialmente contaminada. "Esses mananciais dentro da cidade são muito poluídos, recebem uma descarga grande de dejetos, esgoto. Naturalmente, isso envolve a presença de vários micro-organismos que podem causar doenças em humanos", explica o infectologista Roberto da Justa, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Dentre as doenças causadas por tais bactérias, estão a diarreia, infecções intestinais e alguns tipos de hepatite. O médico contabiliza ainda as doenças transmissíveis através do contato com a pele, como a leptospirose. "Na margem dessas lagoas, existe a presença de roedores, e até outros animais que possam carregar essa bactéria transmissora. A urina dele infecta a água".

Para tornar a prática mais segura, o infectologista recomenda o uso de botas protetoras, repelente e roupas com manga, para evitar picadas de mosquitos. Também é necessária a vacinação contra hepatite A, por exemplo.

Monitoramento

Em nota, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) informa que conduz o monitoramento da qualidade da água dos recursos hídricos da cidade de Fortaleza por meio de relatórios técnicos mensais, disponíveis no Sistema de Informações Ambientais de Fortaleza (Siafor). "Os relatórios têm como objetivo a interpretação dos dados do monitoramento, a identificação de fontes de poluição e a condição ambiental (fauna e flora)", diz a Pasta.

A Secretaria ressalta, ainda, que projetos de requalificação e urbanização de lagoas da Capital vêm sendo desenvolvidos e implantados. O objetivo inclui a implantação de melhorias urbanas e ambientais, "proporcionando a requalificação dos espaços urbanos, com melhorias de infraestrutura, recuperação ambiental e paisagismo". Ainda este ano, deve ser iniciada a requalificação de mais sete lagoas da cidade: da Maraponga; do Mondubim; Lagoa de Messejana; Lagoa da Zeza; Lagoa de Porangabuçu; Lagoa da Viúva e Lagoa do Papicu.

"É possível acionar a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) através do aplicativo Fiscalize Fortaleza, do site denuncia.Agefis.Fortaleza.Ce.Gov.Br ou do telefone 156, caso se presencie atos que prejudiquem os recursos hídricos, como a extração de fauna e flora em áreas de preservação ambiental e despejo irregular de resíduos sólidos", destaca a Secretaria .

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