Perfil desejado se amplia, e crescem chances de crianças à espera de adoção

Na quinta-feira (25), Brasil comemora o Dia Nacional da Adoção. Só neste ano, 24 crianças foram adotadas no CE

Escrito por Vanessa Madeira - Repórter ,

Recém-nascido, sexo feminino, cor de pele branca, sem irmãos, sem deficiências. Por muito tempo, essas foram as características procuradas por grande parte dos pretendentes à adoção no País. Não à toa, o número de pessoas que desejam ser pais adotivos sempre foi maior que o número de meninos e meninas na espera de um novo lar. Além das dificuldades do próprio processo - em especial a destituição do poder familiar das crianças abrigadas, que pode demorar anos e atrasar a disponibilização para apadrinhamento - a maioria das crianças não se encaixava no perfil predominante.

Mas as perspectivas desanimadores começaram a mudar nos últimos anos para muitas crianças. Embora as preferências de alguns pretendentes ainda se mantenham as mesmas, cada vez mais pessoas estão quebrando barreiras e ampliando o leque de possibilidades, tornando-se mais dispostas a adotarem meninos e meninas que fogem aos perfis mais requisitados.

Quando Messias foi adotado pela professora Suelen Brasil, em 2014, já tinha quase 7 anos de idade. Sua adoção era considerada "tardia", termo referente aos processos que envolvem crianças com mais de três anos. Esperando desde que nasceu no abrigo pela adoção, suas chances de ser adotado diminuíam à medida que crescia. Mas, para Suelen, Messias era exatamente o que procurava.

"A adoção sempre foi um desejo meu desde criança, independente de filhos biológicos", diz a professora. "Para chegar à decisão da idade, estudei muito, passei a conhecer histórias, ler sobre adoção. E aí, por fim, cheguei à conclusão de que queria uma criança mais velha, porque, se eu quisesse um bebê, teria um. Também porque nos abrigos tem muita criança maior que precisava de uma família e que são muito preteridas", completa.

Tabus

Suelen diz que os tabus e preconceitos ligados à adoção de crianças mais velhas foram quebrados pouco tempo após a chegada de Messias. "As pessoas têm medo porque crianças maiores já têm personalidade formada e manias. O Messias não gostava de lavar o cabelo, não gostava de fazer tarefa e não comia com talher. Só que você vai vivendo um dia de cada vez e isso fica tão bobo diante da grandiosidade que é ter um filho", acrescenta a mãe.

A adoção de Raíssa pela técnica administrativa Eliane também foi tardia. Hoje aos nove, a garota tinha quatro anos quando encontrou uma nova família. Mas Raíssa ainda tinha outra característica que dificultou sua adoção por muitos anos. Portadora de uma lesão cerebral desde o nascimento, possuía graves limitações motoras e de fala.

O primeiro contato aconteceu quando Eliane passou a trabalhar como voluntária no abrigo em que Raíssa vivia. A técnica e o então marido ajudavam doando alimentos e realizando atividades de recreação com Raíssa. Com uma filha já crescida, Eliane não tinha planos de adotar uma criança. No entanto, a convivência já havia transformado as duas em mãe e filha. O processo de adoção foi a parte mais difícil. A destituição do poder familiar só aconteceu depois que a mãe de Raíssa aceitou abrir mão de sua guarda. Meses depois, a criança pôde, enfim, ir para o novo lar.

Quando lembra da decisão de adotar uma criança deficiente, Eliane se diz corajosa. A chegada da garota exigiu adaptação. O casal teve que aprender a cuidar de Raíssa e a lidar com a reação de familiares e amigos. "As pessoas da minha família se impactavam, ficavam com lágrimas nos olhos quando nos viam. Claro que tivemos que aprender bastante coisa, estudar. Mas hoje a vida é tranquila para a gente", afirma. "Filho é filho. Primeiro, veio o sentimento, a afeição, e quando isso acontece, na verdade, a gente pouco lembra dessa situação", completa.

Irmãos

Assim como no caso de Eliane, a família da professora Lilissane Monteiro e o marido Massimo Baraglia quebrou não só a barreira da idade, mas também do número de crianças adotadas. Em virtude da preferência por uma adoção conjunta, é comum que grupos de irmãos aguardem por tempo indefinido a chegada de novos pais.

Ana Clara, de 7 anos, e Paulo Victor, de 6 anos, ficaram cerca de um ano abrigados. Até que Lilissane e Massimo, já inscritos há dois anos no Cadastro Nacional de Adoção, foram comunicados sobre a possibilidade de adoção.

Apadrinhar irmãos sempre foi opção para o casal, mesmo após a chegada do filho biológico, Caíque, pouco após o cadastro. "Nós tínhamos na cabeça que queríamos ter, no máximo, três filhos. Como sabíamos que poderíamos ter filhos biológicos, pensamos em deixar aberta a possibilidade de adotar até dois irmãos. Sabíamos que esse tipo de adoção é bem complexa. Até algum tempo atrás, acontecia de dividir grupos de irmãos. Isso tocava muito a gente", afirma Lilissane.

Adaptação

Os irmãos passaram a fazer parte da família em 2014. O período de adaptação foi desafiador, conta o casal. Com dois novos filhos pequenos, a família levou algum tempo para se ajustar ao novo molde. "Depois de um tempo, a gente entrou na rotina normal de família com três crianças pequenas, mas antes disso era meio caótico. Você tem que se preparar e saber que vai passar por um período de adaptação, mas que tudo dá certo no final, até porque as crianças têm uma abertura muito grande", acrescenta a mãe.

"Nós acreditamos que uns filhos vêm da barriga, outros vêm do mundo. Se é uma família que não tem estrutura para acolher crianças mais velhas e irmãos, tudo bem. Para nós, com certeza é um trabalho mais longo, mas se é teu filho, é teu filho", destaca Massimo.

Apesar dos avanços, o desafio de superar a fantasia do "filho ideal" é constante. Hoje, segundo dados do Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Fórum Clóvis Beviláqua, 90% dos 481 pretendentes na Capital aceitam crianças brancas. Quando se trata de crianças negras, esse percentual cai para 56%. Do total, 54% aceitam crianças de todas as cores. Em relação à idade, apenas 20% dos pretendentes em Fortaleza aceitam crianças com até 3 anos de idade. Somente três pretendentes aceitam crianças de até 10 anos.

Experiências

"Grande parte dos pais chegam às ONGs com aquele perfil de criança que a gente já conhece. Um dos primeiros trabalhos que a gente faz é diferenciar o filho ideal e filho real. O filho ideal é resultado de várias ideias que povoam o imaginário dos pais. Durante o processo de formação sobre adoção, eles vão se dando conta de que, na verdade, o que existe é um filho real e, com o tempo, vão se conscientizando de que o exercício da paternidade acontece na convivência", explica Lucineudo Machado, vice-presidente da ONG Acalanto, entidade que auxilia pretendentes à adoção no Ceará.

No Fórum Clóvis Beviláqua, durante o processo de habilitação dos pretendentes, também são realizadas ações com o objetivo de romper paradigmas da adoção. "Nos encontros e nas palestras, sempre levamos pessoas que adotaram grupos de irmãos, crianças mais velhas, e outras situações justamente para quebrar os tabus", diz Deusimar Rodrigues, chefe do Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos.

Para as famílias, se hoje ainda existe um perfil predominante, é porque há pouco acesso a informações sobre a história dos meninos e meninas disponíveis para adoção e falta de diálogo com outros pais adotivos. "Quando os pretendentes veem a realidade, que existe um número muito grande de crianças nos abrigos, e conhecem outras pessoas que passaram por essas experiências, começam a enxergar a adoção com maior amplitude, não se limitam. Existem muitas crianças com direito de serem amadas", diz Suelen Brasil, mãe de Messias.

Mais informações

Setor de adotantes e adotandos do Fórum Clóvis Beviláqua

Telefone: (85) 3278-1128

E-mail: cadastro.Adocao@tjce.Jus.Br

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Especialização de vara agilizou processos

Junto à quebra dos tabus relacionados aos meninos e meninas disponíveis para apadrinhamento, medidas como a especialização da 3ª Vara de Infância e Juventude de Fortaleza para avaliar processos adotivos, ocorrida no ano de 2014, fizeram com que o número de adoções crescesse de forma significativa nos últimos anos. No ano passado, 55 adoções foram realizadas na Capital, 23 a mais que em 2015.

"Quando os feitos das outras três varas foram redistribuídos para a 3ª, em julho de 2014, recebemos das outras unidades judiciárias processos até de 2001. Hoje, os nossos processos de adoção mais antigos datam de 2012", destaca a juíza Alda Holanda, titular da 3ª Vara.

A magistrada, no entanto, ressalta que um dos impasses para aumentar ainda mais o número de adoções é a demora nos processos de destituição do poder familiar, que costumam durar até dois anos. "Esse é um fato que retarda muito a adoção. A lei determina que se busque a reinserção familiar da criança, devendo-se procurar núcleo familiar, ou conforme o caso, a família ampliada. Só depois de esgotadas as possibilidades de retorno familiar, e de destituído o poder familiar dos genitores, passa-se para a hipótese da adoção", explica a juíza Alda Holanda.

Saiba mais

No Ceará

- 481 pretendentes à adoção

- 87 crianças e adolescentes disponíveis para adoção

Perfil das crianças disponíveis

Sexo

- 53 meninos

- 34 meninas

Cor de pele

- 64 crianças pardas

- 13 crianças brancas

- 10 negras

Idade

- 4 crianças de 0 a 5 anos

- 25 crianças de 6 a 10 anos

- 46 crianças/adolescentes de 11 a 15 anos

- 12 adolescentes acima de 15 anos

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