Pacientes internados em casa custam até 81% menos ao Estado

Com o Serviço de Assistência Domiciliar, cearenses que precisam de ventilação mecânica, fármacos de alto custo ou outros serviços são atendidos em casa, ampliando expectativa de vida e diminuindo gastos públicos

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Rita recebe cuidados médicos e afetivos em casa, por equipes do SAD e pelas filhas
Foto: FOTO: FABIANE DE PAULA

Os fios do cabelo fino são pintados de preto com frequência, de modo que os brancos nem têm tempo de aparecer. O nome estava entre os papéis do amigo secreto da família, no último Natal. A voz do neto e os beijos das filhas são como o ar: fundamentais para a vida. Se a doença pulmonar obstrutiva crônica tomou de Rita Vieira Lima, 79, a capacidade de falar, interagir e até de respirar sozinha, a internação por meio do Serviço de Assistência Domiciliar (SAD) devolveu a ela - e a outros 656 pacientes em Fortaleza - a convivência familiar e a chance de receber tratamento e equipamentos médicos em casa.

Atualmente, o SAD funciona em seis unidades públicas de saúde de Fortaleza: os Hospitais Geral Waldemar Alcântara (HGWA), de Messejana (HM), São José (HSJ), Geral Dr. César Cals (HGCC), de Saúde Mental de Messejana (HSMM) e Infantil Albert Sabin (HIAS). Os objetivos da "desospitalização" dos pacientes, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), são "diminuir os riscos de infecções, reduzir custos hospitalares e, ao mesmo tempo, dar continuidade ao tratamento de forma humanizada".

De acordo com Úrsula Wille, diretora de Processos Assistenciais do HGWA - referência em atendimento domiciliar no Ceará -, as vantagens para a saúde do paciente e financeira do Estado são incontestáveis. "Uma diária de leito hospitalar com ventilação mecânica aqui custa, em média, R$700 (R$ 21 mil/mês). Em casa, nas mesmas condições, custa R$ 4 mil por mês, 81% a menos. Com um paciente que não está em ventilação, são uns R$ 400 por dia (R$ 12 mil/mês) no hospital, e menos de R$ 2 mil mensais em casa. Com ventilação é mais caro, porque inclui o aluguel do aparelho e mais visitas", estima.

Por esse motivo, Úrsula ressalta que é urgente a necessidade de expansão do programa. "Existe demanda para aumentar equipes, mas a decisão de investir é do Estado. Não temos condição de acompanhar mais pacientes do que os atuais, não é suficiente. Uma equipe atende, por dia, até quatro casas em toda a cidade. Leva tempo para o deslocamento e para a visita em si", explica a diretora, contabilizando 14 pessoas na fila de espera por ventilação mecânica só no HGWA. "E é muito raro dar alta e entregar a outro paciente. A maioria fica dependente para o resto da vida."

Desospitalização

O Waldemar Alcântara é, hoje, um hospital de transição: as outras unidades de saúde encaminham para lá os pacientes elegíveis para atenção domiciliar. As equipes avaliam os casos, dão parecer e conduzem todo o processo de desospitalização, desde a preparação dos familiares responsáveis pelos cuidados até as visitas semanais que o paciente deve receber.

A possibilidade de retirar a mãe do ambiente hospitalar e dar a ela "o máximo de conforto" foi o que moveu a professora Ana Cleyde Vieira, 37, a buscar o acesso ao atendimento domiciliar. Após uma década inalando a fumaça do forno em que fazia bolos e pães para sobreviver, dentro de casa, o prejuízo aos pulmões de Rita deram sinais em 2016: quando a respiração parou e ela precisou voltar à casa traqueostomizada, sendo atendida por equipes do serviço domiciliar durante três meses.

Em 2018, os sintomas retornaram, o coração parou outras duas vezes e as sequelas permanecem até hoje: a mãe de Cleyde respira por meio de ventilação mecânica, equipamento fornecido pelo HGWA, unidade onde Rita conseguiu vaga após ação judicial da família por meio da Defensoria Pública do Estado. "Me orientaram de que o ambiente hospitalar era muito mais perigoso pra infecções. E por mais que ela não interaja, a gente sabe que ela tá escutando. Quando falo no ouvido dela, canto, oro, ela tem uns espasmos que, pra mim, são respostas. Mesmo de longe, nesse ambiente escuro que ela tá, ela reconhece que tá em casa", emociona-se Cleyde.

No total, 195 pacientes são atendidos em casa pelas cinco equipes multidisciplinares do HGWA. O hospital disponibiliza 210 vagas, das quais 50 incluem a oferta da ventilação mecânica recebida por Rita. Segundo Úrsula, mais de 2.500 pessoas já receberam assistência domiciliar no período. "As equipes capacitam os cuidadores familiares enquanto estão no hospital, e quando eles vão para casa, nosso trabalho é orientação, supervisão e auxílio nas intercorrências. Durante as visitas semanais, a equipe verifica se está tudo certo, faz troca de sondas e curativos, quando necessário", explica.

A dona de casa Diogena Nascimento de Oliveira, 33, está no processo preparatório para levar o filho, Antônio David de Oliveira, 17, para casa. O garoto tem Síndrome de Down, teve a medula lesionada após uma queda e depende de aparelhos para respirar. "Eu não sabia como trocá-lo. Elas me ajudam. Agora vou treinar aspirar, tudo o que eu vou precisar fazer em casa", declara Diogena, que volta ao lar no bairro Granja Portugal na próxima quarta-feira (15).

Investimento

A diretora da unidade ressalta que muitos pacientes precisam de assistência além da médica, ao ingressarem no SAD. "Nossa assistência social ajuda. Muitos precisam da dieta enteral, que é cara, e quase sempre judicializada. Outro problema é que a energia elétrica aumenta muito. Não pode ser cortada, mas se não pagam, no fim vai ter a conta. Se o paciente falece, a dívida não é perdoada. É um problema complexo, e se o Estado economiza por um lado, poderia atender mais pacientes no hospital ou dar uma assistência maior", aponta Úrsula.

No Ceará, 39 municípios são habilitados pelo Ministério da Saúde com equipes de atendimento domiciliar, dos quais nove (Amontada, Barbalha, Canindé, Fortaleza, Ipu, Itarema, Limoeiro do Norte, Ocara, Quixeré e Trairi) foram incluídos na lista pela Portaria n° 3.654, de dezembro de 2019. De acordo com a Pasta federal, foram habilitadas 34 novas Equipes Multiprofissionais de Atenção Domiciliar (EMADs) e 15 de Apoio (EMAPs), totalizando 68 EMADs e 38 EMAPs no Estado.

Além das equipes, o investimento federal destinado ao Ceará, segundo o MS, aumentou, sendo "incorporados mais R$ 21 milhões, anualmente, no limite financeiro de Média e Alta Complexidade do Estado e Municípios. O repasse total anual ao Ceará passa a R$ 36.7 milhões".

Josenília Gomes, secretária executiva de Vigilância e Regulação da Sesa, afirma que a expansão por meio dos novos recursos acontecerá, em Fortaleza, via Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que gerencia o SUS na cidade. "A ideia é que o recurso seja conveniado com o Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar, que já tem a expertise, para ampliar o SAD para a Região Metropolitana e implementar o serviço em outros hospitais. Para o doente crônico, estar em casa em boas condições e cuidados é melhor, mas às vezes o paciente tem vulnerabilidade econômica tão alta que não se consegue mantê-lo em casa".

A economia do Poder Público ao cuidar do paciente em casa, ressalta a secretária, é importante, mas os efeitos à saúde justificam muito mais a necessidade de ampliar a assistência. "Vários estudos no mundo mostram que (a atenção domiciliar) tanto reduz o custo como melhora a qualidade de vida do paciente, e até aumenta o tempo de vida daqueles em estado terminal. A questão do custo importa, lógico, mas também olhamos para o cuidado e a assistência".

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