Lugares de passagem

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br
Legenda: Os terminais de Fortaleza são testemunhas dos ritos de passagens constantes, frutos das demandas cotidianas
Foto: Foto: JL Rosa

De lá para cá. Fortaleza vira vitrine. Um território de 314,930 km² a ser percorrido. Por natureza, vivemos em fluxo constante. É nos diversos espaços, chamados aqui de “lugares de passagens” que brotam contatos. O complexo movimento nesses locais, ao mesmo tempo que garante partidas da cidade, assegura também conexões com ela. Necessidade de adentrá-la. Percorrê-la. Fortaleza é o destino? 

Atravessar vias. Perambular. Seguir rumo ao trabalho, à escola, à consulta... Ou qualquer outro compromisso inadiável. Dos lugares de passagem, partem ônibus, metrôs, aviões e até navios. Chegam sonhos, necessidades e afazeres. Rapidez é desejo dos que esperam. Que o transporte venha logo e seja veloz. 

Os “não lugares”, teorizado pelo antropólogo francês Marc Augé como aqueles sem identidade ou referências coletivas, em Fortaleza, se reconfiguram. Assim como em outras metrópoles mundo afora, esses espaços, em suas densidades relativas, cujos horários e períodos do dia ditam a intensidade da ocupação, se fazem áreas de encontro. Contato. Seja com o outro ou com as próprias demandas. De viagem. De trajetos. De percursos a serem cumpridos. 

Ansiedade no aeroporto, no porto, na rodoviária. Quem passa por ali ou por lá, provavelmente, está preste a sair e o destino, nem sempre é tão perto. Quem parte, vê a Capital por outro ângulo. Do alto, das estradas e do mar. Afasta-se levado por transportes e, uma hora ou outra, quem sabe regressa. Segue os ritos de passagens constantes ainda que sejam retornos. 

Nos terminais e nas estações, lotação. Esperas. Os dispositivos precisam ser mais rápidos, mais frequentes, mais adequados. Pois, se o destino não é tão distante, percorrer a cidade é uma travessia dinâmica, cuja pontualidade é praticamente loteria. Os ciclos das travessias interruptas fazem da funcionalidade dos suportes um pretexto para existência dos lugares de passagem. Eles existem supostamente porque há uma demanda latente verificada no próprio cotidiano. São criados para viabilizar a necessidade de fluxo de quem habita a urbe. A vida dos moradores é movimento. Excessivo – podemos considerar – se observados os ônibus e metrôs abarrotados. Esses lugares, sob o aspecto de plataformas e estações, constituem abrigos e seguem suportando corpos viajantes apressados. 

Os não lugares, os quais chamo de lugares de passagem, guardam e são histórias. É por suas edificações que se narra, por exemplo, a forma como Fortaleza, ao longo dos anos, tem ampliado suas possibilidades de circulação. Sinônimos de avanço? 

Chances de locomoção. De amplitude de movimentos. E há quem não os use? De um jeito ou outro, os fluxos convergem nesses espaços. Ainda que não os percebamos assim. Eles nos atravessam da mesma forma que são atravessados por nós. Ainda que quem esteja no lugar de passagem queira movimento e não deseje ali permanecer. Os lugares de passagem não são a finalidade dos nossos deslocamentos. Talvez, em tempo algum, sejam nosso horizonte. É fato. Os alcançamos tendo em vista o próximo ponto. São intermediários no dia a dia. Cuja aparência, sequer, é apreciada já que o que ocorre ali, quase sempre, é efêmero. 

O mérito ignorado desses lugares é esse. Ser sinal de contato. Pontes em uma cidade desconexa, desigual e irremediavelmente interessante. Lugares de não permanência. Necessários para viabilizar travessias anônimas. Testemunhas dos nossos caminhos cujo destino é Fortaleza. 

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