460 escolas já executam ações com foco no novo ensino médio

Cerca de 60% das instituições mantidas pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc) desenvolvem projetos de flexibilização curricular desde o início do ano letivo. Especialista critica as mudanças impostas 

Escrito por Felipe Mesquita , felipe.mesquita@verdesmares.com.br
Legenda: Clube da Cartografia, projeto da Escola Poeta Patativa do Assaré, levou os quatro alunos à etapa final da Olimpíada Brasileira de Geografia
Foto: FOTO: FABIANE DE PAULA

Etapa final da Educação Básica, o ensino médio (EM) terá nova roupagem pedagógica a partir das alterações feitas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cuja homologação ocorreu em 14 de dezembro de 2018. A implementação está prevista somente para 2021. O Ceará, porém, amparado no Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, do Ministério da Educação (MEC), já está experimentando a flexibilização curricular desde o início deste ano letivo em 460 das 729 escolas estaduais, o que corresponde a 63% do total. 

Segundo a lei federal nº 13.415, a BNCC, que padroniza as habilidades obrigatórias para cada etapa da formação escolar na rede pública e privada, introduz ainda uma outra estrutura aos alunos do 1º ao 3º ano do EM. Enquanto no modelo vigente, os estudantes têm 2.400 horas de atividades nas três séries, a reforma do ensino médio estabelece 3.000 horas nos anos finais. Dessa forma, eles passam a ter um aumento de 25% no tempo de permanência na escola.

Para além da extensão da carga horária e da obrigatoriedade da formação geral básica com as disciplinas já trabalhadas, que terá 1.800 horas, o documento estabeleceu ainda a criação de “itinerários formativos” em quatro áreas do conhecimento nas 1.200 horas restantes: Matemática, Linguagens, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza. A escola também deve oferecer cursos de qualificação técnica e profissional. Isso quer dizer que o estudante poderá escolher uma dessas áreas a partir de suas aptidões. 

Com a mudança, as escolas precisam criar uma Proposta de Flexibilização Curricular (PFC), apontando ações e projetos paralelos à oferta de disciplinas. O Ceará, acompanhado de outros 22 estados brasileiros, aderiu ao programa do MEC em novembro de 2018, após ter recusado duas propostas anteriores. Na teoria, a Pasta federal presta assistência técnica e financeira às unidades de ensino que mostram interesse em começar a transição para o novo ensino médio antes mesmo da data oficial.

A coordenadora da Gestão Pedagógica do Ensino Médio da Secretaria Estadual da Educação (Seduc), Iane Nobre, aponta que 466 escolas estaduais estavam aptas a participar da assessoria, mas seis delas não aceitaram. Instituições com “alguma pendência em prestação de contas”, ela diz, ficaram impossibilitadas de aderir à experiência, obedecendo aos critérios impostos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). 

Investimento

O Programa de Apoio fornece às escolas R$ 20 mil fixos e mais R$ 170 por aluno matriculado no EM com base no Censo Escolar 2018. O repasse do valor foi dividido em três parcelas, sendo a primeira paga no dia 29 de dezembro do ano passado. Apenas sete escolas não receberam o benefício por conta de “problemas no número da conta”, mas o dinheiro deverá ser repassado junto com a segunda remessa, que está atrasada por falta de sistema do MEC, promete a gestora.

“Já era para ter saído, porque o nosso plano de flexibilização deveria estar no ambiente do PDDE interativo (ferramenta de apoio à gestão escolar) postado e validado desde o dia 15 de julho, só que eles não abriram. A justificativa é que eles não têm pessoal de T.I mais para fazer a manutenção do sistema, os contratos foram cancelados. E se a gente não posta a PFC, o dinheiro não sai”, justifica Iane Nobre, citando que a previsão de abertura do sistema ficou para “meados de agosto”.

O montante pode ser investido em projetos complementares voltados à formação de alunos e professores ao mesmo tempo em que serve para reparos ou adaptação da estrutura dos colégios. “Tudo que for precisar para ter unidades curriculares diversificadas adaptadas às competências da base, os gestores colocam na PFC, a gente valida e eles compram o que for preciso, como insumo de laboratórios, equipamentos mobiliários ou contratar palestrantes que ajudem na formação do corpo docente”, destaca. 

Na Escola de Ensino Fundamental e Médio Poeta Patativa do Assaré, mantida pela Seduc, no bairro Granja Lisboa, o “Clube da Cartografia” foi criado neste ano como ferramenta de protagonismo juvenil, um dos eixos defendidos pela BNCC. Os estudantes têm aulas no contraturno com professores de Geografia e Matemática que discutem sobre leitura, interpretação e construção de mapas. Em seis meses de execução, o projeto já rende frutos em âmbito nacional.</CW>

De acordo com o coordenador Leandro Ferreira, três equipes foram inscritas na Olimpíada Brasileira de Geografia, que começou no dia 5 de agosto último. Inicialmente, a competição reuniu 9.070 grupos, número que caiu para 102 depois das três primeiras fases compostas por provas online de múltipla escolha e tarefas. Uma equipe de quatro alunos da escola cearense conseguiu vaga na final elaborando um mapa tátil para deficientes visuais.

“Estamos em 1º lugar entre as escolas públicas regulares do Brasil e em 5º lugar geral. Isso é motivo de muita felicidade e foi uma das nossas grandes surpresas, porque estamos no mesmo nível de projetos de extensão de universidades federais e colégios particulares”, celebra o professor. No entanto, para cumprir a última missão da olimpíada, eles precisam enviar até o dia 6 de setembro um mapa sobre a vida de um imigrante, desde o nascimento até a sua chegada ao Brasil. “Mas, estamos esforçados”, garante.

Assistência

Apesar do retorno positivo da atividade de flexibilização curricular, o diretor da escola, Messias Silva considera que a reforma do Ensino Médio gera pontos de interrogação. O educador teme que os estudantes não tenham discernimento na hora de escolher o itinerário formativo. “Se aos 18 anos já é difícil tomar decisões, imagine com 14 ou 15 anos”. Ao mesmo tempo, ele critica a falta de suporte do Ministério da Educação, que está limitando o Programa de Apoio apenas ao dinheiro, cujo repasse segue estagnado. “Na gestão atual, nós estamos completamente sem orientação”.

O doutor em Educação e professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Enéas Arrais Neto, considera como “uma modificação autoritária”, em função da falta de debate para a construção de uma nova proposta pedagógica. “A educação vinha sendo feita de forma participativa desde a redemocratização. Agora, essa mudança acontece sem nenhuma consulta à sociedade civil, nem aos organismos discentes e docentes e as instituições que gerem o processo educativo”, opina. 

Na contramão do que o MEC divulga sobre o novo ensino médio, o especialista não acredita que a resolução aprovada deverá diminuir a evasão escolar. Para ele, somente o aumento da carga horária é insuficiente. “A evasão não decorre de falta de aula, e sim, dos mecanismos de pobreza. Houve um tempo em que a evasão acontecia por conta da repetência e baixo aproveitamento. Hoje em dia, o maior responsável por isso é a falta de bolsas que permitam a sua permanência no ambiente escolar”, pondera Enéas Arrais. 
 

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