Obras públicas pendentes transformam cenário e rotina do Centro

Pontos como Praças José de Alencar e da Estação, além das vias Duque de Caxias, Liberato Barroso e Guilherme Rocha ganham novos moldes sob os olhos de quem frequenta o coração da cidade a trabalho ou passeio

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br
Legenda: Feirantes aguardam com incerteza as mudanças na Praça José de Alencar
Foto: Foto: Fabiane de Paula

Foram incontáveis mudanças desde que eles se ergueram ali. O olhar sereno do Theatro José de Alencar, por exemplo, assiste ao fervilhar da Praça homônima há 109 anos, vários deles com o movimento das centenas de feirantes - que, aliás, já deveriam ter saído de lá desde novembro passado, para requalificação do espaço.

A Estação João Felipe também espreita uma praça, agora, mais cercada por tapumes do que por gente. Até metrô já deveria ter ali.

O Centro está repleto delas (ou de promessas) desde agosto de 2018, quando foi lançado o Projeto Novo Centro pela Prefeitura de Fortaleza: um pacote de intervenções nos eixos de habitação, apoio a pessoas em situação de rua, turismo e cultura; infraestrutura e mobilidade; ordenamento do comércio informal, e segurança e fiscalização. A ideia era que tudo fosse concluído em 12 meses. Agosto de 2019 chegou, já passou e muito ainda segue pendente. Na última quarta-feira (11), questionamos a Prefeitura sobre prazos, atrasos e outras respostas necessárias para entendermos como as ações já mudaram e ainda mudarão o bairro-patrimônio de Fortaleza, imprescindível para o comércio, o cotidiano e a história da cidade. Mas o poder público não nos respondeu até o fechamento desta edição.

A partir do Mapa de Ações e Obras disponibilizado online pelo Executivo, a reportagem verificou quais medidas foram iniciadas ou concluídas (dentro ou fora do prazo) e por quais delas o Centro aguarda. O documento apresenta cerca de 80 iniciativas, entre construções de equipamentos, reformas, ações culturais e assistenciais - mas há informações desatualizadas quanto a algumas intervenções, e outras nem sequer são listadas.

Nos eixos de infraestrutura e mobilidade, travessias elevadas em vias do bairro seguem em projeto. Já o trinário das vias Duque de Caxias, Meton de Alencar e Clarindo de Queiroz teve obras iniciadas no mês passado. Reformas previstas para quatro praças continuam listadas como não concluídas, e a requalificação de "logradouros no Largo do Poço da Draga" - comunidade da Praia de Iracema, mas mostrada como "Regional Centro" - nem sequer foi iniciada.

Em segurança, a instalação de 40 câmeras de videomonitoramento e de célula com "videowall" eram as principais medidas do Projeto Novo Centro. Não fomos informados pela Prefeitura se foram efetivadas. No eixo saúde, a obra do Instituto Dr. José Frota 2 consta como "paralisada", concluída 73%, sem prazo final.

Já em habitação, o projeto previa entrega de até 900 unidades no Centro até agosto, o que não ocorreu. No mesmo âmbito, o Novo Centro previa reforço das políticas públicas para pessoas em situação de rua - que "ganharam" novos Pousada Social e refeitório público, mas seguem perdidas nas calçadas e entre números desatualizados, já que o novo Censo para mapeá-las foi cancelado, embora o Ministério Público do Ceará tenha recomendado a execução.

Uma das obras que constam no mapa como "inconclusa" é a reforma dos calçadões e a implantação de quiosques para os ambulantes das vias Liberato Barroso, Guilherme Rocha e General Sampaio. As mudanças foram feitas neste ano, impactando comerciantes como José Airton Magalhães, testemunha das transformações do Centro há "muitos" dos 60 anos de idade.

Cadastro

"De organização, melhorou muito pra cidade. Quando cheguei aqui, qualquer um botava uma tábua e começava a vender. Hoje, só com cadastro", avalia, com a autoridade de quem "nasceu os dentes no Centro, e nele tá vendo caírem". Por outro lado, "o preço de tudo aumentou", inclusive da taxa que paga para permanecer ali. "Uma estrutura dessa não dura muito tempo se os clientes não vierem comprar. Vários colegas já fecharam", lamenta.

Outra que teme pelos dias contados do "único ganha-pão" é a feirante Maria das Neves de Oliveira, 61. As bancas dela e de outros comerciantes da Praça José de Alencar serão removidas dia 23, e a praça fechada para requalificação e construção, em dezembro, de um terminal de ônibus aberto. A conclusão é prevista para abril de 2020 - e o prazo inicial da Prefeitura para entrega era novembro de 2018.

"Eles têm razão de fazer isso, não sou contra. Mas ninguém tem certeza de pra onde vai. Eu não tenho outra renda. Tudo o que a gente espera é que melhore", desabafa Neves, com a esperança de ver a Praça onde trabalha há dez anos "renascer". Os feirantes, diz a Prefeitura, serão movidos para novo Feirão na Rua São Paulo.

Para o urbanista Custódio dos Santos Neto, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil - Ceará (IAB/CE), incentivar a ocupação do Centro para além do comércio é umas das chaves para manter o bairro "vivo". Por isso, ele vê como positiva a intenção da Prefeitura de levar a Câmara Municipal para o prédio do desativado Lord Hotel, por exemplo. "O Centro foi esvaziado à medida que os equipamentos públicos foram tirados de lá. Com isso, os trabalhadores migraram. Existe uma área grande da Avenida Imperador à Rua Padre Mororó, que só tem casas velhas, se destruindo. Com atenção, isso daria uma ótima área residencial".

A mudança, segundo Custódio, poderia interferir na mobilidade urbana. "Fomentar o caráter residencial seria interessante, porque quem trabalha lá iria a pé. Na área da Castro e Silva, por exemplo, tem uma vista privilegiada do mar, ideal para prédios. Quem não ia querer morar ali?", pontua o arquiteto e urbanista.

No fim das contas, como Custódio conclui, todas as previsões para o coração da 5ª capital mais populosa do Brasil precisam constar no Plano Diretor (PD), que planeja a cidade para os próximos dez anos. "Mobilidade, política para 'moradores de rua', essa questão da habitação? Tudo isso deve ser discutido no plano, e ouvindo os moradores de todas as regiões da cidade, para que seja uma discussão, não um monólogo". O Plano Diretor só deve ser votado em 2020.

Legenda: Av. Duque de Caxias já teve árvores e parte do canteiro central removidas para trinário.
Foto: Foto: Kid Junior

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