O que a rua tem a dizer

Quando chega o Carnaval, a cidade parece que vira mais cidade. É como se tudo que nos é possível fosse ainda mais permitido.

Escrito por Rômulo Costa , metro@verdesmares.com.br
Legenda: O cenário e os ritmos do Mercado dos Pinhões mostraram que não há idade para celebrar e ocupar a cidade
Foto: Foto: Camila Lima

Não sei exatamente o que é. Se é o som forte dos batuques que leva o corpo para um passo qualquer ou o brilho que cobre os rostos e se espalha em abraços de purpurina e suor. 

Talvez seja a irreverência das fantasias, os encontros inesperados, o trecho de uma música compartilhada com aquelas pessoas que você já conhece ou acabou de conhecer.

Deve ser a dança, o beijo, a festa. Não sei, mas tem uma forma diferente de se viver quando chega o Carnaval.

Todos os anos esse jeito volta para a rua como um convite e um alerta. Você deve ter percebido que ele passou por aqui. Soube que uma menina de 77 anos colocou um curativo em um coração de pelúcia e foi para a Praça da Gentilândia dançar. Era uma celebração pessoal por ter atravessado o susto de um infarto, e ela quis dividir com a Cidade.

Foto: Foto: Camila Lima

Outra de trinta e poucos me deu um abraço ontem depois de me contar, numa entrevista, que aquele era o primeiro Carnaval depois de ter encerrado um casamento de 16 anos que a impedia de se fantasiar e saracotear com as amigas como se preparava para fazer naquela tarde na Praça dos Leões, no Centro da Capital. Para ela, foi mais que uma festa.

Na Aldeota, os boêmios percorreram o caminho entre um bar e outro guiados pelo som dos instrumentos de sopro e balanço de um estandarte. Ouvi dizer que os moradores dos prédios vizinhos afastaram as cortinas e abriram as janelas para entender que movimento era aquele na calmaria geral da cidade inventada. O bloco passou e eles se aquietaram porque era só isso mesmo.

Encontros

Dandara dos Santos e Marielle se refizeram e estiveram juntas no asfalto da avenida Domingos Olímpio. O poeta Mário Gomes, o Bode Ioiô e a Tia Simoa, quem diria, passaram pela Praia de Iracema. As pessoas de agora circularam entre eles e no Mercado da Aerolândia e dos Pinhões, na rua da Mocinha, no Centro. Pelas ruas e avenidas, nas praças, nas calçadas em movimento bonito de construção de histórias. "Nas ruas do Benfica eu te amei", li na parede.

Eu me lembrei da liberdade do menino de saia, do beijo que encerrou uma conversa banal entre dois amigos, da dança coreografada nas areias da praia, do banho de mar à noite depois do show.

Foto: Foto: Camila Lima

Quando chega o Carnaval, a cidade parece que vira mais cidade. É como se tudo que nos é possível fosse ainda mais permitido. Como sair de casa sem ter um compromisso específico que não seja o de estar aqui, se enfeitar e se vestir como quiser, atravessar os tantos bairros para encontrar os amigos e rir e dançar e ser o que se pode.

Repare só. A cidade é nossa e de todo mundo, você percebeu? Hoje é quarta-feira e os confetes ainda estão no chão. Agora, em março, o ano talvez comece com todos os seus prazos e compromissos, com todos os seus muros e seus medos. Mas quando a cidade estiver diferente - menos colorida e mais apressada - é tempo de se lembrar do que o Carnaval acabou de nos ensinar até debaixo de chuva. Tudo é possível, desde que se viva com a liberdade de ser o que se é.

 

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