O que a cidade nos diz?

Escrito por Karine Zaranza , karine.zaranza@svm.com.br

Colocar o corpo na rua é também se deparar com as falas de uma cidade que grita em meio ao barulhento dia a dia de uma metrópole. E foi justamente, ali, pertinho do Poço da Draga, que a frase "Eu sou do tamanho do mar", marcada por um estêncil na parede branca parou a minha pressa. Ali, boquiaberta, olhando aquelas palavras, senti uma Fortaleza conversar comigo, me convidar para vivê-la em poesia. Como ouvir tua cidade-casa fazer esse convite e não aceitar dilatar os olhos e ouvidos ao que ela diz?

Caminhar pelas ruas, enxergando cada pessoa que passa (porque uma cidade é somente porque as pessoas são) é a melhor forma de vivenciar o lugar. Por isso, fui atraída pelo menino de calção vermelho que corria com o cachorro magrinho, chamado Quentinha.

De sorriso gaiato, pele morena e olhos que se apertam quando teimam em vencer o sol com a vista, ele se mostrava imenso - do tamanho do mar- sempre que ressignificava todas as suas carências com criatividade de quem tem muito a imaginar. Brincou com pedras, amarrou uma corda numa latinha e fez um carro, falava com Quentinha e ria. Não perdeu tempo contando o que lhe faltava. E lhe faltava muito. Foi pro mar, seu parquinho de diversões. Sem nem saber, me levou pra velha ponte também.

O menino pulou, fez acrobacias no ar, venceu resistências e fez um show. Que menino gigante! Não teme as ondas nem a altura do salto. Não se intimida com a imensidão do mar. Sobe rápido as escadas para um novo pulo e é recebido pelo fiel amigo de quatro patas. Autônoma, livre e com um jeito tão independente, aos 10 ou 11 anos, aquela criança era uma representação de uma Fortaleza que resiste com alegria, que cresce cheia de ausências mas se impõe gigante e criativa.

"Eu sou do tamanho do mar". E que tamanho é esse?

Alguns bairros dali, outro chamado. "Arboriza tua vida, menina". Um soco no estômago de uma nem tão menina que esquece de se irrigar. E aí, eu olho essa cidade que, assim como eu, foi perdendo o verde e penso: "Como nos salvar?". Arborizar a vida e a cidade é cultivar sonhos e também garantir aquilo que dá sombra, proteção, conforto. É resistir ao impulso de crescer desmedidamente e se perder naquilo que dizem que é o caminho do progresso. Mas, o caminho é esse?

Uma cidade que progride, mantém suas raízes. Afinal, como deixar de pé uma árvore frondosa sem que ela esteja fortemente presa ao chão? Quais as raízes que estamos cultivando? Temos mesmo força de crescer, fôlego para se agigantar? E que prosperidade é essa que deixa o menino da Draga crescer em meio a tanta dificuldade, em meio a tantos "nãos"?

Fortaleza, mulher, preserva teus rios, parques, ecossistemas. Dessa forma, se cuida também dos teus, que sofrem quando chove muito e as águas transbordam como lágrimas de quem perde o pouco que tem.

Mantém tua poesia, seja nas cores dos teus ipês que florescem em meados de setembro, na musicalidade dos que dançam nas calçadas, na arquitetura diversa de tuas casas, no céu cor-de-rosa de um pôr do sol de Iracema. Continua a resistir para mim e para tantos que se desapaixonam com a aridez dos dias, mas que continuam a te amar sempre que te redescobre. Fala teus desejos para ti e para mim. Nem tudo é sufoco, pressa e cimento. É possível ser mar e árvore.

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