O preço da merenda

O Governo Federal repassa de modo suplementar aos estados e municípios, por dia letivo, para cada aluno do Ensino Fundamental e Médio, o valor de R$ 0,36. Como nem todos os estados e municípios fazem a complementação, o que chega ao prato dos estudantes é aquém do que indica a lei

Escrito por Thatiany Nascimento ,

Nos 20 minutos de intervalo, o lanche rapidamente desaparece. A merenda revigora para o aprendizado. O ideal é que o alimento não apenas "mate a fome", mas também supra as necessidades nutricionais. Porém, apesar dos avanços nas ações de alimentação escolar no Brasil, um conflito permanece: como garantir merenda de qualidade contando com baixos recursos? O Governo Federal repassa, de modo suplementar a estados e municípios, por dia letivo, R$ 0,36 para cada aluno do Ensino Fundamental e Médio. Se não for complementada, é essa a quantia que "garante" o lanche nas escolas.

No Ceará, somente a partir de 2016 é que as escolas da rede estadual passaram a receber um acréscimo para melhorar a alimentação. Esse repasse pode chegar a R$ 6 milhões por ano. A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) declarou não ter como calcular o valor exato do incremento por aluno, pois a verba varia a depender da demanda.

Este complemento foi pactuado num Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado em agosto de 2016, entre a Seduc e o Ministério Público Estadual (MPCE) para atender às demandas estudantis, após uma série de ocupações nas escolas estaduais.

Equação

Como fazer essa equação? Qual alimentação é, de fato, ofertada entre o que está previsto em lei e o que chega aos estudantes da rede pública? No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), criado em 1955, norteia as ações no setor. No atual modelo, a União repassa verbas, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), distribuídas em 10 parcelas (de fevereiro a novembro), para suplementar a compra da merenda e cobrir os 200 dias letivos, conforme o número de estudantes matriculados em cada rede de ensino.

No entanto, historicamente, nem todos os municípios e estados brasileiros fazem a complementação da verba, explica o vice-diretor da Faculdade de Educação da UFC e coordenador de Gestão do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar, José Arimatea Barros. "Na realidade, o que predomina é a operacionalização da alimentação escolar tendo por base somente esse valor (R$ 0,36), porque a maioria dos municípios não provém sua contrapartida. Essa realidade decorre basicamente de dois fatores: a situação financeira precária de muitos municípios ou da gestão inadequada do Pnae", afirma.

Cardápios escolares devem suprir a necessidade de energia diária dos alunos

Conforme a atual tabela do FNDE, os alunos incluídos no Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral são os que têm maior financiamento da merenda. Por dia letivo, para cada aluno, são disponibilizados R$ 2 para a alimentação. Com apenas R$ 0,36 disponíveis pelo FNDE, os do Ensino Fundamental e Médio são os que têm o menor orçamento, se considerado somente esta verba suplementar.

O professor explica que a relação entre alimentação escolar e aprendizado se dá a partir de uma equação simples "aluno bem alimentado fica predisposto à aprendizagem, o que contribui para resultados positivos das atividades pedagógicas que ele vivencia na escola", aponta.

Realidade local

Nas escolas da rede pública em Fortaleza, os dilemas entre o que roga a legislação e o que é efetivado na prática são evidentes. "O que sabemos sempre é que o dinheiro para a merenda é muito pouco. Mas com as mobilizações de 2016, as coisas melhoraram. Antes era suco com bolacha e, uma vez ou outra, comia arroz e frango. Depois, melhorou", relata a estudante Lany Maria, do Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Caic) Maria Alves Carioca, no Bom Jardim.

Aluna do 3º ano, ela explica que uma das dificuldades é a ausência de um cardápio estabelecido e cumprido de forma sistemática. "Antes tinha um cardápio. Mas sumiu. A gente só sabe o que vai ser na hora de comer". De acordo com Lany, que estuda das 7h às 12h20, as queixas não estão diretamente atreladas à qualidade da merenda, mas à variedade das refeições.

Na Escola João Mattos, no Montese, o estudante Roberto Calvelo, do 2º ano do Ensino Médio, diz que a situação é semelhante. Segundo ele, a escola já recebe outros itens alimentícios, como arroz e cuscuz, mas faltam, muitas vezes, condimentos para o preparo. "A diretora é que às vezes faz uma vaquinha e ajuda a comprar temperos", relata.

Já na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Matias Beck, no Vicente Pinzón, a percepção da estudante do 3º ano, Maria Suiane das Chagas, é que a merenda é satisfatória. Ela, que fica na escola das 7h30 às 17h, garante que "a comida é muito boa e tem variedade. Tem pão com queijo, vitamina, bolo, canja, macarrão, tudo feito direitinho".

No Ceará, segundo a Seduc, a previsão de recursos do Pnae para as escolas da rede pública estadual, que neste ano têm 445.119 alunos, é de R$ 104 milhões. Somente para as escolas da rede estadual em Fortaleza, que têm 114.389 estudantes, o valor é de R$ 16,4 milhões. Questionada se o Estado complementa a verba disponibilizada pela União, a Pasta respondeu que, desde de 2016, investe na aquisição de cinco gêneros alimentícios básicos (açúcar, arroz, farinha de milho, feijão e macarrão). O investimento é de até R$ 6 milhões ao ano.

Em relação aos cardápios, a Seduc informa que são disponibilizadas 98 preparações que levam em conta a preferência alimentar dos alunos por meio de enquete.

No que diz respeito à aquisição de produtos da agricultura familiar, a Secretaria garante que em 2017 foram direcionados R$ 12.173.435,80 para a aquisição de gêneros alimentícios desse tipo. O montante equivalente a 35% do total de recursos financeiros transferidos pelo FNDE para o PNAE.

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