O bode no Carnaval

Se o bode é uma metáfora do político fanfarrão, cheio de bravatas, foram muitos os bodes no Carnaval.

Escrito por Márcio Dornelles , marcio.dornelles@diariodonordeste.com.br
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

Da Praia de Iracema à Praça do Ferreira, e de volta à praia, e de novo ao Centro. Nos idos de 1920, o vaivém deu-lhe nome, popularidade e amizade entre intelectuais, poetas, comerciantes e, sobretudo, políticos. O carismático Bode Ioiô foi eleito vereador de Fortaleza, em 1922, quando a votação era feita em cédulas de papel. Mais do que um protesto contra os poderosos, o ato demonstrou a gaiatice do povo cearense, que duas décadas depois ainda vaiaria o Sol. Em 2019, a nossa ilustre figura popular representou um Carnaval marcado por muitas manifestações políticas, do Ceará ao Rio de Janeiro. Em solo carioca, basta dizer que foi o tema central de uma Escola de Samba, a Paraíso do Tuiuti, como "O Salvador da Pátria". Aqui na terrinha, é dono do cortejo Iracema Bode Beat, que desde 2017 arrasta milhares de pessoas na Praia de Iracema, como se fora o próprio bode vereador, degustando alguma bebida, fazendo gracinhas e arrancando gargalhadas da turma.

Foto: FOTO: CAMILA LIMA

Se o bode é uma metáfora do político fanfarrão, cheio de bravatas, foram muitos os bodes no Carnaval. Havia fantasia de laranja para todo lado, uma referência ao escândalo envolvendo partidos que utilizaram "falsos candidatos" para burlar regras eleitorais e distribuir recursos públicos.

Sombras

O delírio coletivo de vagar por aí sem compromisso durante quatro dias, feito um bode, extravasar a plenos pulmões e exorcizar sombras fazem parte da farra com confetes, lantejoulas e glitter. Daí os gritos que ecoavam por todo lugar para Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em março de 2018. A ativista ganhou homenagem da Escola de Samba Mangueira, mas também desfilou no Maracatu de Fortaleza na Avenida Domingos Olímpio. Entre uma música e outra, nas festas da cidade, grupos pediam a soltura de um político e a prisão de outro.

Na chuva de brilho, as camadas sociais se misturam até a formação de uma massa coesa e homogênea, ainda que usem máscaras diferentes. Durante o Carnaval, um miserável pode se juntar à multidão e usar uma coroa de rei, um príncipe pode entrar no bloco dos sujos e mendigar migalhas, e um bode boêmio pode ser o salvador da pátria.

Foto: FOTO: ALLAN CARVALHO/ FUTURA PRESS/ FUTURA PRESS/ ESTADÃO CONTEÚDO

O sociólogo Roberto DaMatta, autor de Carnavais, Malandros e Heróis, certa vez disse que "somos brasileiros porque, numa época do ano, 'brincamos' e 'pulamos' Carnaval". Manifestações populares, culturais e políticas sempre estiveram presentes nos carnavais à brasileira, agora mais fortes, com gosto de suor, pés na areia, chuva no rosto e a voz que precisamos levantar.

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